Assaltaram a palhaça

Dois quibes, um pedaço grande de bolo de chocolate com bastante recheio, uma esfiha e cinqüenta reais escondidos dentro da meia no pé direito. Isso era tudo o que aquela artista possuía de bens na vida. O rímel barato começava escorrer do olho e isso dava um aspecto de cansaço além da conta. Mesmo com os pés doendo a artista resolveu voltar caminhando para casa sem depender de condução. Afinal a noite estava quente, bonita e movimentada. Até certo ponto.

Verdadeiro ato de coragem querer atravessar aquele viaduto uma hora da madrugada mas ela foi mesmo assim. Morava no prédio que ficava do outro lado e poucos passos seriam suficientes para chegar em casa, tomar um bom banho, devorar as gostosas guloseimas e dormir. Só que as coisas não saíram como planejado.

Um moço muito do mal encarado caminhava cambaleante no sentido oposto e fatalmente cruzaria o caminho da artista. Escrito e feito. O moço que encurralou a artista era tão alto que a pobre teve de espichar o pescoço para cima e levar um baita susto. Como se tivesse sido tomada de argumentos desembestou a falar para o rapaz como se fosse uma prece: “Moço, sou artista, sou palhaça sabe...? e acabo de animar uma festa infantil, até ganhei bolo de chocolate da garotinha que fez aniversário sabe...? mas não tenho dinheiro algum e por isso to voltando a pé pra casa mas... aceita bolo?”

Ele aceitou. Disse que tava foda. Não é que o rapaz foi pego pelo estômago? A fome realmente muda nossas atitudes.

Daí que ele agradeceu e pediu desculpa e pulou do viaduto e a artista seguiu seu caminho.

Finalmente, a artista chegou em casa, tomou seu banho, devorou as guloseimas, dormiu e teve pesadelos onde aparecia fazendo palhaçadas enquanto apanhava das crianças.

Quitéria Luma
Enviado por Quitéria Luma em 25/11/2015
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