MEU RAPAZ, VOCÊ É USUÁRIO...!


“De alguma forma
continuamos a viver
naqueles cujos olhos
aprenderam a ver o mundo
pela magia das [nossas ] palavras.”
(Rubem Alves)



Um dia aquele velho Professor, como gostava de fazer desde quando era moço, caminhava pelas ruas de seu bairro.
Não era só um caminhante por obrigação, mas o fazia satisfeito porque ia observando as árvores floridas conforme sua natureza e estação do ano, os passarinhos segundo suas espécies e comportamentos, as crianças, e a elas sempre reservava seu melhor sorriso e um afago em suas cabecinhas. E prosseguia feliz como se estivesse rejuvenescendo com elas.

Mas, cadê os adolescentes e jovens de mais idade? Não os vejo há tempos. Mas, eles são mesmo meio itinerantes outros até meio nômades... Nisso depara-se ao virar uma esquina, com um jovem rapaz, bem apessoado, vestido de forma despojada como todo jovem. Mas, chamou-lhe a atenção aquele ar um tanto perdido, parecia que não olhava para fora e sim para dentro de si mesmo, ele já o tinha visto, mas não dessa forma.

Então seu instinto de velho, de pai, avô e Professor, falou mais alto que sua sempre comedida discrição e diz ao jovem: - Meu rapaz, sou um velho Professor, já tenho bisnetos, e amo os jovens e as crianças como meus filhos, em mim pode confiar, e pergunta com comedimento:
- Você é um... usuário!?
Para seu lamentoso espanto ouve.
- Sim...!
O professor querendo ajudá-lo pergunta:
- Há quanto tempo meu filho...?
- Faz tanto...tanto tempo, que não me lembro ao certo não.
E o Professor aflorando o instinto de mestre e patrono familiar inconformado diz:
- Qual foi o motivo pelo qual começou meu rapaz?
- Fugir dessa bestial realidade que me atanaza a vida, sempre fui um solitário, desde criança fui criado sozinho neste mundo.

O Professor deixa cair os braços ao longo do corpo, sua cabeça pesa para frente, sua expressão é a mesma quando deparava com jovens que ameaçavam suicidar-se, outros morriam de overdose. Muitos falavam como esse jovem. Alienavam-se do mundo para fugir da dura realidade... Balançou a cabeça em tom de desânimo e... consonância. O que fazer?
- Diga-me meu filho como foi isso? Como começou?

                                                   

II


- Já que senhor insiste e é um Professor direi: - Coisa leve mestre, tipo assim, baseado em Machado, Quintana, Bandeira, Drummond daí fui indo mais fundo mais pesado, Gorki, até Allan Poe cheguei a consumir e pretendo ir mais longe...

Agora foi o jovem a se preocupar; o Professor pareceu ter uma vertigem, firmou-se às pedras de uma parede, foi rápido o sintoma que logo se transformou em euforia de velho mestre-escola. Pareceu-lhe recobrar a esperança. Abraçou aquele jovem e prometeu-lhe o maior tesouro que ambos conheciam os livros, abrindo a sua biblioteca para seu mais novo amigo.
Agora teriam os dois, motivos de sobra para dialogar.
   

 
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 25/11/2015
Reeditado em 25/11/2015
Código do texto: T5460157
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