A frente do tempo.

A minha mãe estava a frente do tempo, e dava uma "banana" para a hipocrisia da pequena cidade onde morávamos com nossos avós, com o seu jeito de "faço o que me dá na telha, não devo nada a ninguém", ia virando as costas ao falatório maldoso do mulherio, e tocando a vida sem olhar para os lados.

Nos finais de semana ela nos arrumava pela manhã, eu com sete anos, e o meu irmão um pouco mais, separava os baldinhos de flandres , e as forminhas com motivos marinhos, colocávamos os calções de banho , preparava nossos lanches de pão com salame, aquele óleo pegajoso e avermelhado para o corpo, e uma grande garrafa de água,enfiava tudo num mochilão, e lá íamos nós para a praia.

Como o meu pai já estava no Brasil, não ficava bem uma senhora ir a praia sozinha com os filhos, na época isso não era bem visto, mas a minha mãe fazia ouvidos de mercador, e deixava que se mordessem , só que escolhia uma praia deserta, evitando olhares maldosos.

Era uma mulher de trinta anos, bonita e na moda, chamava a atenção, lenço florido e óculos escuros, e na praia usava o seu maiô como de costume, e lá ficávamos durante horas, já estávamos todos bem bronzeados. Eu , bem loirinho ,parecendo um surfista, e o meu irmão de cabelos escuros e franja recortada.

Perguntei : " Por que não vamos a praia da Vitória novamente ?"

_ Porque tem gente maldosa, que critica .

_ Que pessoas ?

_ Pessoas...pessoas...não interessa ! Criança não tem que saber .

Ela era assim, não se esquivava de responder, mesmo que pela metade. Estava certa .

Quando o meu pai embarcou nos fomos morar em outra cidade, próxima, junto com os pais da minha mãe, por um ano, mas não de graça, a minha mãe ajudava nas despesas ,pois havia vendido o apartamento e guardara para as despesas , e a viagem, além de remeter dinheiro para a ajudar o meu pai que estava aqui , se arrumando.

Minha mãe sabia que a nossa vida no Brasil seria muito difícil, e procurava guardar os últimos momentos em nossa pátria, pertinho do mar, onde havíamos nascido, e lá ficava lendo , às vezes olhando o horizonte , perdida em pensamentos...ou corria para a água em braçadas fortes mar a dentro, como fazia desde a sua infância. Ela procurava nos passar otimismo, a sua maneira, e coragem diante dos fatos.

Os motivos da nossa viagem nunca ficaram totalmente claros, e quando voltei para visitar os parentes , muitos anos depois, os que restavam já estavam velhos, e evitaram falar. Eu compreendo, mas sempre quis saber , pois mudou o rumo da minha história, e sinto não poder conhecê-la. Jamais faria julgamentos, não me cabem , mas é como se o meu diário tivesse páginas faltando.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 24/11/2015
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