Os estranhos da minha casa

Primeiro teve uma moça que trazia o namorado para dormir com ela. Não haveria problema nisso, se os quartinhos não fossem tão próximos uns dos outros e eu não pudesse escutar tudo aquilo que eles faziam em sua intimidade. No quarto ao lado morava um rapaz carioca que trabalhava no Banco do Brasil. São três quartinhos nos fundos de uma casa e eu fui o primeiro a me mudar para lá. Nessa época não podíamos tomar banho ao mesmo tempo, sob pena de derrubar a energia elétrica de toda a casa. Nem sempre conseguíamos, pois acordávamos mais ou menos no mesmo horário. Dois inquilinos ficavam ensaboados embaixo do chuveiro desligado e gritavam pela ajuda do terceiro – torciam, é claro, para que ele estivesse em casa. Este tinha então a missão de procurar a dona da casa, às vezes ainda dormindo, para que ela religasse a energia. Foi assim durante alguns meses, e esses eram nossos maiores momentos de interação.

É um pouco esquisito morar assim, tão próximo a pessoas que nos são absolutamente estranhas. Compartilhamos do mesmo CEP, dividimos o mesmo varal, a mesma tábua de passar roupa, entramos e saímos pelo mesmo portão, mas nem por isso nos conhecemos melhor. Desde que me mudei para cá, já se passaram muitas pessoas por esses quartinhos e não houve uma única com quem eu mantivesse um relacionamento mais próximo. É certo que sou uma pessoa fechada, mas também entre os outros moradores não parece ter havido melhor harmonia. Ah, como haveremos de amar alguém, se não amamos nem aquele que dorme a alguns passos de nós?

Houve um senhor que gostava de fazer piadas, um casal de namoradas, uma alta funcionária dos Correios, um rapaz que madrugava para ir à academia, uma moça que estudava dia e noite para passar no concurso do Itamaraty. Também houve um senhor que não fazia outra coisa senão ver televisão e outro que não pagava o aluguel e foi embora na Véspera de Natal. Assim como vêm, esse pessoal se vai, e um dia a gente descobre que não estão mais morando ali, foram embora, e nós nunca mais nos veremos, deixamos que partissem sem que trocássemos algumas palavras que diminuíssem a solidão no mundo.

Mas nem toda a nossa prevenção contra o próximo resiste a paredes tão próximas. Como havemos de falar ao telefone sem que o vizinho ao lado escute a conversa? Foi assim que fiquei sabendo de muitos relacionamentos conturbados que essas pessoas tinham em suas vidas, em suas famílias. E acho melhor nem pensar no que foi que os outros ouviram de mim. Até orações atravessam essas paredes. Ali, ao meu lado, tem um estranho orando.

Não admira que, por vezes, um inquilino um pouco mais barulhento do que a média possa acordar todos os quartinhos ao se levantar. Recentemente, houve um que me acordava todo dia às cinco da manhã. Em compensação, era o mesmo que ajuntava para mim a minha roupa que já havia secado no varal. Este homem foi demitido há algumas semanas e teve que voltar para a sua cidade. Só eu permaneço aqui todo esse tempo, cercado de pessoas, mas ainda vivendo isolado.

Até onde eu sei, ninguém nunca descobriu a minha atividade de cronista. E ainda bem: do contrário, eu não conseguiria escrever nada sobre eles.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 23/11/2015
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