Sr. ZÉ DO RIO
De uma esquina à outra, aproximadamente cem metros de extensão
No bairro onde moro em Comendador Soares na Baixada Fluminense
Em uma parte do Rio Botas, hoje chamado de “valão,”
Que corta vários bairros seguindo seu curso agonizante e decadente
Há um quadro que encanta e que acalanta o coração
O Senhor José, carinhosamente chamado de Zé do rio
Todo dia punha suas botas, suas luvas e tomava da sua foice
E sozinho roçava o mato em ambas as margens do rio e retirava o lixo,
Recolhia garrafas, bolsas plásticas e até restos mortais de bichos
Depois de algum tempo com as margens do rio limpas
Apesar de mantida a água rasa e turva devido à poluição
A maioria dos moradores se conscientizou dando alguma contribuição
Então, ele começou uma bela plantação de flores, uma bela criação
Que virou obra de arte na comunidade e é digna de admiração
Certa manhã, toda a sua dedicação foi premiada pela Natureza
Assim como estas palavras que vos escrevo
Numa mistura de sonho e realidade, de ficção e verdade
Todo o bairro vivenciou imensa comoção diante de tamanha beleza
As frondosas amendoeiras verdejavam o ar de uma ponte à outra
As pétalas de flamboyant formaram um belíssimo tapete vermelho
E cobriram a água poluída do rio que outrora límpida
Refletia o céu como um imenso espelho
Ipês e hibiscos coloriam a paisagem lúgubre coberta de lixo e restos mortais de bichos
Sândalos, camélias e rosas multicoloridas derramavam seus perfumes
Que o vento soprava suave por toda a extensão do fétido e infecto rio
Lírios do campo majestosos, humildemente honrosos, exibiam sua beleza singular
Bandos de pássaros em sintonia perfeita com seus cantos em harmonia uníssona
Libélulas e borboletas revoavam com leveza num incansável bailar.
Meia hora após o celular despertar, estou saindo pelo corredor de casa
Termino de fazer minha oração e penduro o a bolsa de lixo no gancho do portão
Ganho a rua com um incontido sorriso, parte do meu sonho estava ali, vivo!
Na rua ainda sem asfalto por causa da burocracia e/ou da corrupção
Aquele quadro natural trazia imensa alegria e intensa consternação,
Ainda que esculpido por mãos humanas, era um quadro de riquíssima emoção.
Sr. Zé foi homenageado por escolas, apareceu na televisão,
Mas o Rio Botas no meu bairro ainda é um valão de águas turvas
Cheio de sujeiras em suas curvas, embriagado pela poluição.
A natureza desequilibra nossos sentimentos quando as enchentes transbordam os bairros
Arrastando lixos, derrubando pontes e até casas com intensa inundação.
Às vezes ele fica em frente ao seu portão em sua cadeira de balanço
Com um dos netos no colo, ouvindo no rádio de pilhas alguma canção
Tranquilamente à sombra de uma das amendoeiras.
E apesar da sujeira ainda em muitas partes do rio que foi transformado em valão
Muita gente que passa ali na Rua João Goulart
Costuma parar e observar aquele espaço e filmar e tira uma fotografia
Ainda vive um momento de contemplação, ainda sente um instante de rara alegria.
OBS: O Rio Botas e principalmente o Sr. José existem e o trabalho que realizou as margens do rio também, apenas a reunião de pessoas e os tipos de flores são sonho e poesia.