A VOLTA DOS QUE NÃO FORAM
 
Desde tempos imemoriais grupos de pessoas reúnem-se para discutir os grandes dilemas da humanidade e suas possíveis soluções. E quase todas, ou senão todas a fórmulas são rapidamente encontradas, desde os acalorados, antigos e específicos conventículos até às reuniões da atualidade. Aliás, reuniões estas, que de secretas nada mais têm pois, tornaram-se de notório conhecimento público.

Nas reuniões em referência, regra geral, sempre há "intelectuais" das mais variadas especialidades, sociais e científicas, bem como, dos diversos quilates. Nesse último sub-nível encontra-se desde crianças à idosos, que após poucos minutos na reunião "especializam-se" em uma área, até mais além, do conhecimento humano.

De tão públicos que se tornaram esses locais de encontro, a calçada do outro lado da rua, imediatamente de frente a minha casa, foi eleita para sediar uma dessas frequentes reuniões.

A qualquer hora do dia ou da noite lá está um grupo determinado a criar projetos e/ou solucionar problemas ou enigmas que afligem a raça humana. São teses e mais teses de infinitos temas. Entenda-se isto por idéias da mais populares ou quixotescas até às mais científicas. Discutem-se ali a cura definitiva do males do câncer, da AIDS, do Alzheimer, do Parkinson, do coração, e pasmem: da dependência de qualquer tipo de droga. Sem falar sobre o domínio, pelo homem, da gravidade dos mundos, da viagem no tempo, da viagem intergaláctica, et cetera.

Em uma madrugada dessas perdi o sono. Levantei-me e fui tentar ler o primeiro livro que encontrei. Tratava-se, pois, de um desses livros de má nota, sobre os quais escreveu Charles Baudelaire, "que tratam da arte de tornar os povos felizes, discretos e ricos em vinte e quatro horas". Ou seja, uma dessas porcarias de auto-ajuda. E como sabem, basta apenas começar uma má leitura para os pulmões exigirem a necessidade imediata de ar puro, para que o coração, por sua vez, encarregue-se de re-oxigenar e desintoxicar o cérebro.

Com as luzes externas desligadas dirigi-me ao jardim de casa. Mal abri a porta e já ouvi o alarido da conversa e as risadas em altíssimas decibéis dos confrades reunidos na calçada do outro lado da rua. Maioria era composta por jovens, maiores e menores de idade. Sentados sobre cadernos escolares - fumando um cigarro que passava de mão em mão - discutiam a propositura de aquela noite.

Ouvia-lhes bem de onde eu estava. Havia sentado sobre o úmido gramado do jardim. A lua nova no céu e as folhagens das plantas próximas às grades do muro mantinham-me no anonimato e oculto aos olhos dos jovens "cientistas".

Estavam planejando uma super rodovia ligando a Terra ao Planeta Marte. Um brilhante químico, que segundo suas palavras, estudava química desde os tempos da alquimia de Paracelso, apresentou a fórmula de uma liga metálica tão resistente a ponto de manter-se inabalável ante aos choques até de meteoros. Então, o material para a rodovia já estava solucionado. Outro, engenheiro espacial, confirmava que não haveria necessidade de pilares na profundidade infinita do espaço cósmico, uma vez que: - "no vácuo a rodovia flutuaria", explicou. E assim seguiu a discussão... Risadas, fórmulas de matemática, de astrofísica e de física e mecânica quânticas ouviam-se em abundância. Inclusive, não faltaria logística pois, surgiram em seguida, fabricantes dos materiais e engenheiros responsáveis pelos canteiros de obra, na Terra e em Marte. E no máximo em vinte minutos o projeto da rodovia Terra-Marte estava pronto. O início das obras, segundo ouvi, começaria no dia seguinte. Então, um dos moços milagrosamente lembrou que "o dia seguinte" seria domingo. Mas os empolgadíssimos engenheiros gritaram em uníssono: - "começaremos amanhã mesmo, que é para não perder tempo".

Depois dessa madrugada eu tinha programa ao vivo para assistir quando perdia o sono. Era sempre um projeto mais faraônico do que o outro. A execução ficava para começar no dia seguinte... E o mais interessante que em alguns minutos, talvez uma hora, os "ta-lentos" tornavam-se cada vez mais lentos... Lentos... E o Concílio desfazia-se. Vagarosamente os confrades retiravam-se com uma pastosa despedida, quando lembravam-se de fazê-la. Alguns esqueciam os cadernos sobre a calçada e por certo deviam seguir rumo às suas casas.

Um dia encontrei-me com a mãe do rapaz da casa em frente. Cautelosamente certifiquei-me de que ela sabia das reuniões em sua calçada. Foi que, curioso, perguntei como seu filho comporta-se, após às reuniões. Confidenciou-me que: -"entra com os olhos vermelhos como brasa. Come o que encontra pela frente. Depois ao invés de dormir, 'desmaia'. Acorda tarde no dia seguinte... Sem perspectiva de vida, sem presente, sem futuro e muitas vezes, sem lembrar do próprio nome".

Com isso lembrei-me da maioria dos políticos que em campanha eleitoral prometem o "irrealizável". Uma vez eleitos ou após o "barato"; "comem" ou roubam tudo que encontram pela frente, ou seja, na "larica" pós eleitoral. No dia seguinte esquecem completamente as promessas feitas, até porque em sua maioria não havia condições e muito menos convicção para realizá-las.

Que se exploda os babacas que nos deram crédito! Certamente é o que pensam sobre àqueles que agora, sobre o jardim, pastam o gramado!
Luiz Carlos Gomes
Enviado por Luiz Carlos Gomes em 22/11/2015
Reeditado em 21/04/2016
Código do texto: T5457085
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