Dona Valdice

Mas quem seria Dona Valdice? Que importância teria para merecer uma crônica? Resposta: Dona Valdice era uma mulher que representou muito para os alunos do Colégio Atheneu Sergipense, nos anos 60, e merece uma crônica.

Primeiro falemos do tipo físico dessa senhora. Era uma mulher de estatura média, de corpo forte e bem definido, cintura bem marcada, bumbum largo e empinado, busto vasto, cabelos grisalhos e feitos em cocó, pernas grossas e torneadas. Nem um pó no rosto, nem batom, cara limpa mesmo; sobrancelhas largas e naturais. Aliás, tudo nela era natural e tinha muito orgulho nisto. Dizia aos estudantes que nenhum fio do cabelo dela era cortado, nem na cabeça e nem em outro lugar qualquer do corpo. Isto intrigava e fazia a festa dos jovens que não poupavam comentários os mais disparatados. Valdice era da Assembleia de Deus e dizia sempre que maquiagem e depilação eram pecados e que, quem de tais coisas usasse, teria entrada franca para o inferno.

As roupas de Valdice eram de um só modelo, o que nos sugeria ser aquilo uma espécie de fardamento. Uma blusa leve, mas acompanhada de um forro por dentro, abotoada até o pescoço; uma saia cinza e que passava do meio da canela, tendo em vista que também não era certo uma mulher estar mostrando a batata da perna. Usava uma sandália comum, sem detalhes notáveis.

Quanto ao penteado, de vez em quando ela soltava os cabelos para torcer e organizar melhor o cocó, enchendo-o de grampos que ficavam muito abertos em virtude da quantidade de fios que sustentavam. Tenho que dizer que os cabelos eram tão longos que alcançavam um palmo e meio abaixo da cintura. Ainda tenho que acrescentar que, fosse para qual fosse o lado do colégio, a Bíblia sagrada estava em suas mãos ou sob um dos braços.

A atividade de Valdice era a de inspetora. Uma inspetora era aquela funcionária de pouco estudo e cujas principais obrigações eram cuidar da disciplina dos alunos nos corredores e nos pátios durante o recreio; auxiliar o professor apagando o quadro quando fosse solicitada, ou indo até a sala dos professores buscar a caderneta (diário de classe), quando havia sido esquecida por lá. É, o professor tinha essa regalia, uma Dona Valdice ao seu dispor.

No intervalo, Dona Valdice estava tanto ao nosso lado quanto por todas as partes, como uma mãe atenta a todo e qualquer movimento que fizéssemos. Se um aluno se comportava mal, ela chamava a atenção e, se alguém se atrevesse a tomar liberdade com algum daqueles seus meninos e meninas, ela entraria em cena com unhas, dentes e sermões.

Por falar em sermões, cumpre registrar que a nossa turma não era flor que se cheirasse, mas ali estava ela, Valdice, na vigilância, não só nos intervalos, mas em horários vagos, em atividades em outros espaços da escola. Quando estávamos em aula, ela sentava em uma carteira de estudante, colocada estrategicamente diante da porta da sala e de onde ela nos olhava vez por outra. Enquanto isto, aproveitava para ler a Bíblia.

Dona Valdice tinha sempre uma lição, uma passagem bíblica, uma reprimenda, uma palavra para nos dirigir em qualquer situação. Quando avistava um professor vindo pelo corredor, logo dizia: Entrem, entrem, o professor já vem! Entrem em fila para a sala de aula. E ficava ali, olhando cada um entrar e, se alguém faltava naquele momento, ela logo ia ao banheiro ou a outro lugar, pois conhecia muito bem as manhas daqueles adolescentes.

Dona Valdice, minha querida inspetora, fazendo a conta pela minha idade, sei que não deve estar mais neste mundo de alunos indisciplinados, mas sim, em uma grande escola de anjos, lá no céu das inspetoras.