TRATADO SOBRE A TOLERÂNCIA.
Voltaire sempre agrega acervo para melhor distinguir. Seu "Tratado Sobre a Tolerância", de 1763, projeta uma convivência sob a tutela da paz nas diferenças.
Existem barreiras e contrapontos em seu discurso como próprio de todas as indagações de fundo inseridas em diversas temporalidades. Clássicos devem ser colocados na ampulheta do tempo para pela reflexão trazê-los aos momentos atuais.
Conflitos entre católicos e protestantes foram a principal abordagem do livro. Jean Calas, protestante, foi apenado em Tribunal criminal de Toulouse, e com ufanismo dos católicos assistiu-se execução da sentença para o réu ser “quebrado vivo”, estrangulado e tivesse o corpo incinerado em uma fogueira. O Libelo Acusatório contra Jean Calas era de assassinato do filho que pretendia se converter ao catolicismo.
Voltaire redige então o Tratado sobre a tolerância.
Jean Calas depois da morte de seu filho Marc-Antoine Calas, por suicídio e não assassinato, teve o caso reaberto pelo Conselho do Rei. Dois anos depois Jean Calas foi inocentado "post mortem" e a família indenizada pelo Estado francês.
Voltaire define o enfrentamento religioso intolerante que levou à condenação injusta de Jean Calas demonstrando que a religiosidade deixa de lado a caridade para promover a violência nas relações humanas, incentivando o ódio e a perseguição, ao invés de promover o amor e a solidariedade.
Para ficar acima do fanatismo, e “diminuir o número de maníacos”, dizia Voltaire (2015, p. 4) ser necessário “submeter essa doença do espírito ao regime da razão, que esclarece lenta, mas infalivelmente os homens. Essa razão é suave, humana, inspira a indulgência, abafa a discórdia, fortalece a virtude, torna agradável a obediência às leis, mais ainda do que a força é capaz”.
Nada tão atual, e no Boulevard que leva seu nome, Voltaire, e proximidades, se assistiu uma das piores intolerâncias até então vistas, cruel e cruenta, matando indiscriminadamente inocentes, crianças, pessoas que festejavam a alegria e encontraram sangue, sofrimento e morte. Era a surpresa inimaginável surgindo de um Deus inexistente, vestido de horrores e de mãos dadas com o anjo do mal e da morte.
Voltaire tinha esperança na propagação do racionalismo iluminista, veículo capaz de promover a convivência democrática e a tolerância.
“Qu`est-ce que la Tolerance? C`est l´apanage de la humanité."
O apanágio da humanidade é o convívio semeado e irradiador de compreensão, só devendo ser combatida a desrazão que se escora na
intolerância como gênero, seja religiosa, estatal ou privada, que mata de várias formas, restringe, usurpa, frauda e faz sofrer indevida e cruelmente.
O tema como abordado é retórica que convoca ao bom senso dos possíveis leitores cristãos. O autor deixa bem evidente não defender a tolerância por estar imune aos preconceitos contra os outros povos, costumes e religiões, mas sim por considerar que a convivência tolerante pode trazer melhores resultados para todos.
São os marcos da boa vontade que passaram pelo mundo entre cérebros de mais luz e nunca são recepcionados suficientemente. Voltaire é um deles.