Uma conversa de maluco

Hoje resolvi conversar comigo mesmo. Uma conversa franca - dedo no olho. Estou espantado com o que vejo no espelho. Faz uma eternidade que não me encaro com tanta frieza. Os cabelos estão mais brancos, as rugas mais fortes, os olhos arregalados não me deixam mentir.

Prometi a mim mesmo que não mentiria. Essas conversas são sempre dolorosas, nos levam aos extremos e às vezes a loucura. Contudo, sempre acreditei nos loucos, por achar que eles são mais sensatos e mais corajosos. Quando era menino rabiscava o chão e ficava tentando passar por baixo do risco. Os vizinhos falavam que eu era maluco. Minha mãe, um doce de mulher, me defendia dizendo que eu era um anjo. Mas quando virava as costas resmungava: “um santo, um santo do pau oco”. Ainda tento passar por baixo daqueles riscos, eles não me saem da cabeça e nem tão pouco minha mãe me internou. Portanto, pelo menos nesse aspecto, nada mudou.

Esse que vejo refletido no espelho é o meu “eu” real. Ele sim é o verdadeiro homem que nada esconde, é o meu “eu” em branco e preto. Na verdade sou apenas a sua imagem, objeto virtual de mim mesmo.

Olhar-se no espelho é um desafio desmedido, é como se enfrentássemos o nosso próprio medo, é como se negássemos a nossa única oportunidade de fuga. Você olha para baixo, você olha para cima, você finge que é cego, mas tudo vê. Esse demônio que nos mostra como somos é cruel e nunca perdoa.

Estou tentando atravessar o monstro, quebrar a moldura, espatifar meus outros EUs e quem sabe, espantar os deuses que moram em mim.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 29/06/2007
Reeditado em 18/10/2017
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