DIÁLOGO CANINO I

DIÁLOGO CANINO I

Encontraram-se um dia, cada qual nos braços de sua dona, uma cadelinha Poodle e um cãozinho Chihuahua e, mal se avistaram, ainda de longe, o cãozinho se agitou, latiu e esperneou freneticamente, querendo soltar-se dos braços roliços que o espremiam contra as tetas fartas da madame.

— Calma, filhinho, calma, que já, já, vamos pra casa! — exclamou a gorda senhora, alisando a cabeça do animalzinho.

— Me solta, sua esquisita! — teria ela ouvido se entendesse a linguagem canina no rosnado entre dentes. — Teu filhinho uma ova, sua bruxa! Me solta, que eu quero paquerar essa menina ali, nos braços daquela outra bruxa medonha.

Espremida pela outra senhora, a cadelinha também latia furiosa, esperneava e olhava alternadamente para a dona e para o cãozinho.

— Nossa, filhinha, o que é isso? Tu nunca te comportaste tão mal assim! — resmungou a dondoca, com cara de envergonhada pelo mau comportamento de sua “filhinha”.

Os dois animaizinhos, vendo inútil todo esforço por se libertarem dos horríveis apertões que por pouco não os sufocavam, aquietaram-se mais, iniciando um queixoso diálogo, interpretado pelas respectivas “mamães” como ganidos de satisfação pelos carinhosos embalos e beijinhos recebidos.

Você sabe, eu aprendi cachorrês, a língua universal dos cães de todos os países e raças e ouvi o que os dois conversavam:

— Como é que esta medonha não se enxerga! — reclamou a cadelinha. — Vê se eu tenho a cara dela, se me pareço com essas menininhas dengosas! Eu sou uma fêmea canina, e muito me orgulho de ser uma cadela de verdade!

— É isso aí, belezinha! — concordou o cachorrinho. — Eu também tenho que suportar a mesma ofensa todo santo dia. “Ah, filhinho, não faz isso!”, “filhinho, não faz aquilo!”, “faz seu xixizinho aqui e não ali”, mas esta anta não entende que eu faço de propósito, só pra ver se ela se cansa de mim...

— Nunca esta megera me dá uma chance de fugir daquele apartamento horroroso cheio de tapetes e cortinas e sair sozinha pra rua — queixou-se a cadelinha .— Que vontade eu sinto de me jogar lá de cima, quando ela me põe nos braços a olhar pelas janelas, e eu vejo algum cachorrão lindo lá embaixo, correndo livre pelas calçadas! Eu fico doidinha pra ir correr com ele. Será que essa mulherada estúpida não tem noção de que nós, os cães, somos feitos pra correr livres pelo mundo? Quando saio, é no colo dela, como se eu fosse uma entrevada. E sabe da maior? Eu ouvi esta estúpida dizendo pro marido, que não quer filho, pra não deformar o corpo. Vê se pode! Ela pensa que nunca vai ficar velha, esta esquisita! Daí eu quero ver!... Quem é que vai cuidar dela?

— Pois eu também já ouvi isso e coisa muito pior: que os filhos dão muito trabalho e muitos gastos. ...que, à medida de crescem, tornam-se exigentes com roupas, calçados, estudos e tantas coisas mais, que nós, os “filhinhos de quatro patas”, não lhes damos. Não é o fim da picada?

— Se é!... Filhinhos de quatro patas é a vovozinha dela!... Só no egoísmo delas! Isso é deturpação do amor, que está, cada vez mais, perdendo lugar no coração dos homens, esses seres que se dizem inteligentes, mas que querem somente adquirir fama e fortuna. Por que não pensam apenas no necessário para o bem-estar seu e da família, sem essa ganância e vaidade desenfreadas?

— É isso mesmo, minha linda — o cãozinho concordou. — Se continuar como vai indo, daqui mais alguns anos, só vai haver cães e gatos no mundo.

— Ôh daí sim, é que vai ser legal! É pena que eu já não esteja mais por aqui — lamentou a cachorrinha.

— Escuta, minha princesa — propôs o cachorrinho —, vamos dar uma lição nestas duas?

— Vamos! Como?

— Vamos fazer xixi nelas...

— Não dá, queridinho. Eu estou no cio, e ela pôs calcinha e absorvente em mim, dizendo que estou menstruada.

— Eu sei que ‘tás no cio. Nós, os machos, sentimos de longe... Por isso, quase enlouqueci de vontade de te fazer carinho, mas esta bruaca não me deixou sair e quase me matou de tanto apertar contra estas tetas murchas. Nós somos muito mais machos que os homens, sabias? Eles não sabem quando as mulheres ‘tão no cio ou menstruando, como dizem eles. De tanto mascarar, com banhos e perfumes, os maus odores de suas excreções, acabaram perdendo esta capacidade gostosa do faro, que é sentir o cheiro excitante da fêmea no cio.

— Então é por causa disso que os homens se tornaram pervertidos sexuais — falou a cadelinha.

— Por quê? Como assim? — o cãozinho quis saber.

— Porque, para eles, o sexo não é um apelo natural, mas um desejo provocado pela imaginação pervertida, pela beleza física da mulher e não segundo prescrevia a natureza primitiva dos homens, como a nossa. Por isso, eles fazem sexo desordenadamente e sem respeito algum pela natureza cíclica do cio mensal em suas fêmeas – as mulheres. E acham que, se não agirem assim, serão tachados de fracos, não serão os machões que supõem ser.

Neste ponto do diálogo, a dona do Chihuahua levantou-se e saiu andando. O cachorrinho subiu para o ombro da mulher e afastou-se latindo em protesto e convidando a cadelinha para novo encontro.