¨*NUA E CRUA*

Nua e crua

"Resolvi despir-me das cores

Dos perfumes das flores

Dos cânticos e dos cantares

Do sol, da lua em seus luares

E vir inteira me mostrar

Sem brilhos o meu passar"...

Myriam Peres

Hoje não virei com conversas fiadas, com lero-leros, com segredinhos de "pé do ouvido", sussurrando conselhos, convidando a todos se travestirem de santos para em episódios, de grandes virtudes, alçarem vôos para infinitos...

Nem venho agora dizer falsas verdades, cozinhando mentiras, apregoando virtudes, em palcos do só ilustrar o que deveríamos mostrar nas tabelas de emanações de poemas, de rimas compostas que traduzem coisas celestiais com anjinhos, santinhos e coisas tais para ficar bonito, para acharem que tudo na vida é uma montoeira de céus, de paraísos a nos palpitar, em vocábulos que se esparramam, em ladainhas santas, em seus améns de orações marcadas, decoradas para nos cativarem e nos fazerem caminhar nas virtudes, nos bons exemplos, nos objetivos a nos tranformarem em pureza.

Não estou aqui com os sininhos de Natal, com mesas fartas postas nas iguarias palatáveis tão nossas conhecidas... Não venho com lorotas decoradas, descoradas, amortalhadas, com misturas de frases mostradas tão hoje-em-dia disseminadas como louros de engrandecimentos para nos levarem a áureos caminhos a se trilhar, a nos iluminar.

São conversas bobas que todos sabem dizer, todos conhecem nas profundezas das nossas almas, pois desde o ventre abençoado das nossas mães já vêm formadas, já vêm mastigadas para em Deus, Todo Poderoso, nos aproximarmos e nos salvaguardarmos. Isso é lenha de fogueira, é tributo de vida inteira que nos compõe e que estamos fartos de saber e conhecer, pois no nosso dia a dia ouvimos, nos impregnamos dessas verdades que amigos vêm nos mostrar, nos avisar, nos repetir, nos abençoar para indicar as melhores maneiras de viver e nos converter em seres de valores infinitesimais...

Não estou a enlouquecer, não estou mudando roupagens, não estou me despindo das palavras, que são só refrão, que são só os eternos amores, nas rimas que são só flores, só frases de composição. É que, de repente, gosto de mudar de vestes, de ser gente com suas conhecidas manias, seus eternos problemas, suas dúvidas, seus lamentos, seus olhos sem brilhar as maravilhas que o mundo vem nos mostrar. Porque sendo gente, posso me montar e desmontar nas agruras que a vida dá, que nem são só de aves em melódicos trinares, nem seus vôos a me fantasiarem meus sonhos, meus poemas.

Nas mortalhas que agora estou a me apresentar, sou só gente, pequenino ser humano, um grão de areia, nessa imensidão de mar, um ser frágil, cheio de desenganos, de medos e de apreensões que consomem todos nós, em linguagens nuas e cruas, sem roupagens, sem cores nem flores para disfarçar...

Costumo ser toda volátil em frases de amor, em flores de todas as cores, cantando minha rimas cheias de amores. Hoje me transformei em ser apenas diferente, para poder conversar e confessar, para poder desabafar meus lamentos, sem cores a me emoldurar. Costumo me apresentar numa fortaleza inexpugnável, para poder levar consolo aos que sofrem, aos que de mim precisam, abrindo minhas asas para a devida proteção, para o amparo que sempre ofereci.

Esta é a maneira que sempre me vesti e que, agora, com o pulsar de uma vida mais longa, mais cansativa, mais delicada, com minhas pernas já trêmulas no meu caminhar, minha mente já exausta de tanto pensar, minhas mãos jazem sem o poder de largas e rápidas escritas, me deixo ser conduzida pelas etapas que ora se apresentam, frágeis em sua essência. Isso faz parte de uma degenerescência comum, criada pela vida que muito nos exige em troca dos anos vividos e usados.

Fica difícil para mim fazer tais confissões, tornar público todas essas verdades, mas que fazer se são mesmo verdades?

Sofro como qualquer um sofre, choro a maioria das vezes com mais freqüência, porque os idosos ficam mais sensíveis...

Isso não quer dizer que faço disso eternidades, apenas faço como todas nós fazemos, quando existem necessidades.

Não me culpo, nem me desculpo por ser assim tão nua e crua na minha atualidade, apenas estou me deixando levar pelas palavras que não cessam de brotar de minha cabeça, atabalhoadamente, emocionadamente, num sem cessar de fluirem diretas do meu coração, porque assim sempre fui desde minha infância, numa facilidade de expressão muito invejada, na época, pelas colegas de estudo, que galoparam ao meu lado como amigas, companheiras das lidas estudantís. Isso é minha lembrança disso tudo. E me sinto feliz com essas memórias, que estou tendo agora, descrevendo etapas de vidas passadas.

Então vivo do passado, tirando minha mortalha dos 76 anos e me vestindo de jovem dos 20 anos para poder falar tanto de amor, tanto de paixão, emoções essas que deixaram marcas no meu coração, nos meus pensamentos que não consigo sequer amortizar tantas recordações. São essas coisas que me alimentam a alma, que se perpetuam através dos anos de jornada intensa que tenho vivido e que, são o marco da felicidade de ter nascido, de ter vivido tão inesquecíveis caminhos nos meus momentos de inteiras realizações.

Não sou mais aquela que enfrentava mundos familiares, em guerras de estabilização de idéias, de harmonias que eu tinha sempre que estar presente para ser a juiza das pequenas, médias e grandes causas, coisas que acontecem com todas nós, não de mim só, exclusivamente.

Nesse desfiar de verdades, agradeço a todo mundo que, com atenção, carinho, meiguice e afeto, sempre me ofereceram, fazendo de minha vida de então, efemérides de alegria, prazer e muita felicidade...

Que o "Bom Deus" se apiede de mim, pelas minhas falhas, pelas minhas não concretizações em que me esmerilhei tanto por ter a obrigação de cumpri-las, pois para isso é que me propus nas minhas promessas e juras, tão repetidas durante toda minha vida nessa ousadia de viver tanto tempo...

Maria Myriam Freire Peres

Rio de Janeiro, 03 de janeiro de 2007.