Ana, a quem enganamos ?

- 12/08/1999

Não são razoáveis suas explicações. Aquela carta deixada sob a banca dos sapatos, intencionalmente sob o que menos utilizo, não contém a grande revelação nem possui a verdade do insucesso de nosso amor.

É. Muito longe de serem verdadeiros são os seus motivos. Arrisco-me a dizer que verdade alguma há ali. Há, sim, defesa. Você construiu um belíssimo discurso de defesa para justificar e convencer o desprovido leitor de que você é séria e seus motivos também.

Escreve bem a pequena. Puro capricho retórico que se perde nos meandros da realidade. Invoca razões psicológicas, sociológicas, amorosas, desencontro de almas - tu a tens?. De Freud a Marx, de hindus e sacerdotes astecas, nenhum deles foi esquecido na tua auto-louvação.

Bravo! Invejo-te o estilo com que escreves. Querias mentir e quem? A ti, pequena Ana? Mentiste bem. Seguem-se os aplausos merecidos. Eu, não! Eu te conheço! E sei onde residem as grandes motivações do teu adeus.

Teu mal é medo, teu fracasso é pensar que és forte. Foges de ti alucinadamente.

Todo o texto eu o tenho diante dos meus olhos, palavra por palavra, sílaba por sílaba. La encontrei acertadas conjugações, corretíssimas sinonímias, coesão textual, clareza de idéias, concordâncias bem realizados. Lá estava tudo. Só você não estava . Travestiu-se de causídica e pôs-se a comportar-se como se estivesse redigindo as alegações finais de um processo medíocre.

Vi a jurista. A mulher não.

Por que não desces de tua tribuna e vem comigo, mão a mão, copo a copo, de cidade em cidade, me repetir, olho no olho, aquela coleção de argumentos últimos e definitivos que me deixastes com o título de adeus.

Venha ver o por-do-sol comigo e dizer onde estão aqueles dias. Eu descobri em cada linha de teus escritos o medo de ser feliz. Eu li nas palavras tua renúncia à vida.

E hoje, sentado sob a mesma árvore onde nos conhecemos naquela manhã de julho, interrogo aos céus, dou mais uma olhada no caminho de onde viestes e solto uma boa risada ao me lembrar que ali iniciamos e ceifamos um projeto comum de felicidade. Enquanto isso, tua adorável comunicação sobe ao céu na forma de uma pequena coluna de fumaça negra que me fez arder os olhos. E lacrimejo. Compreendi , agora, olhando aquelas cinzas ao vento, para que servem as cartas de despedidas, doutora Ana.

Wanderlan
Enviado por Wanderlan em 17/11/2015
Reeditado em 17/11/2015
Código do texto: T5451907
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