NÃO DÁ PRA TER PENA DESSA GENTE

Dias atrás, assisti a uma entrevista, em que o entrevistado, um desembargador, era inquirido sobre a necessidade de se aumentar o salário dos magistrados, vez que já recebiam altas somas, se levarmos em conta a média salarial dos trabalhadores brasileiros de várias categorias e profissões. O dito cujo respondeu que um juiz tem de ganhar muito bem, porque precisa se vestir com apuro, e comprar ternos de qualidade “em Miami” não sai barato.

Não creio que precise comentar tal resposta. Ela já encerra, em si, a desfaçatez.

Quando vejo os tantos programas televisivos, que comentam tragédias, injustiças, ações violentas e preconceituosas, além de muitas outras aberrações procedimentais, e vejo artistas, empresários ou outros se derramando em lágrimas, fazendo declarações floreadas, questiono minha própria capacidade de discernimento. Essas pessoas ganham cinqüenta, cem, mil vezes mais que a maioria dos comuns, e, com poucas exceções, não soltam mais que o gogó, em auxílio aos necessitados. E ainda reclamam que a crise tá braba. Pra eles????

Alguns dias após o desastre de Minas, apareceu na net um pastor, daqueles famosos e milionários, dizendo que o governo é incompetente, que não está atuando como deveria (o que é verdade) e que ele, com seu próprio dinheiro, tinha mandado pra lá alguns milhares de litros de água mineral. Bonito gesto, mas para alguém que lida com milhões, todos os dias, isso não representa atitude mais desprendida. Paralelamente, sei que há centenas de outros que fazem das tripas coração, lançando mão até do que lhes pode faltar, para ajudar os que precisam.

Curiosamente, são os que têm menos que ajudam mais.

Se você perguntar a uma pessoa, visivelmente, pobre, como está a situação, primeiro ela dirá que está complicada, para depois cair na risada e dizer que tem de apertar aqui e ali, e ir levando, que Deus ajuda. Algumas reclamam ou gritam mais, mas sempre se viram, na boa. O lado ruim da coisa, fica por conta da má alimentação, saúde precária, educação totalmente comprometida e submissão à bandidagem, que é o único poder onipresente.

O que dá pena, porém, é ver algumas celebridades, que chegaram a admitir, vejam só, que tiveram de diminuir as viagens ao exterior, as compras na Europa, as férias com os filhos na Disney; até mesmo os jantares freqüentes em restaurantes finos, tiveram de se restringir a uma ou duas vezes por semana. Teve gente, desse meio, que teve até que vender os barcos, iates, lanchas, diminuir o número de carros importados, limitar a compra de jóias. Vou chorar!!!

Aí eu pergunto: - Dá pra ter pena dessa gente?

Joãosinho Trinta dizia que pobre gosta de ver ricos e luxo na TV, e não outros pobres.

Eu entendo isso. Eles vêem os bem nascidos ou alpinistas sociais, e todos os suntuosos ambientes mostrados, do mesmo jeito que os abonados vêem os sultões, marajás ou até uns vilões fantásticos, geralmente, miliardários e esbanjadores. Não há limite para a ganância.

Quando eu era criança, muitos adultos repetiam, fazendo caretas, que os comunistas iriam dominar o mundo e fazer com que todos ficassem, igualmente, pobres. De tanto ouvir isso, comecei a prestar atenção e pensava: - Mas não é isso que Jesus pregava? Ele não dizia para nos desvencilharmos dos bens materiais e dar aos pobres?

Os comunistas dominaram grande parte do mundo, mas não para igualar as condições dos cidadãos, senão na miséria e carestia. Implantaram ditaduras e distribuíram todo tipo de benesses entre uma elite minoritária. Hoje posso dizer que nunca conheci um comunista ou um cristão autênticos, porque todos com quem travei contato eram bons de papo, mas péssimos em se desapegar de tudo em favor de outros. De um lado e outro, só propaganda enganosa.

Daí eu vejo vários políticos discursando sobre democracia e isonomia social.

Diz pra mim! Políticos, magistrados, militares, funcionários públicos, que só representam pequenérrima parcela da população, têm os mesmos direitos do restante do povo?

É claro que não. São pessoas especiais e não podem ser consideradas iguais.

Toda vez que você surpreender alguém defendendo a democracia, pergunte-lhe se quer ser igual a todos por baixo ou especial por cima. Vou lhe adiantar que a resposta vai vir na forma de outra pergunta, numa gagueira, numa enrolação chata ou num desprezo silencioso. Juca Chaves, em rasgos de sinceridade, pedia ajuda para comprar seus uisquinhos.

Charutinho, um mendigo bem conhecido em Sampa, ao receber esmola de alguém, já anunciava: - Óia! Num vô cume, não. Isso é pra pinga, mêrmo. (e ainda olhava feio pro doador)

Solidarizo-me com a maioria, e quanto aos especiais, não dá pra ter pena dessa gente!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 16/11/2015
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