Assim ou ...nem tanto 21
As Mãos
Ao fazer o retrato da Família, a menininha de quatro anos, fez toda a gente sem mãos, excepto a Mãe. Pensamento linear e pragmático, dirão com razão. Na verdade, retratamo-nos e às nossas necessidades quando descrevemos alguém com palavras ou desenhos. Para a menina, só na Mãe eram vitais e imprescindíveis as mãos. Para ela, que dependia para tudo de sua progenitora, as mãos nunca poderiam faltar mas eram de somenos importância na Avó, no Pai ou nos irmãos cujas valências e importância passavam por outros atributos. Sou a minha vontade, sou a minha necessidade e projecto isso em tudo. Nos afetos, nas escolhas, nas decisões que orientam o meu estar aqui. Cumpre-se, assim, a chamada Lei do Interesse, a tal que leva o truculento a ignorar a sensibilidade do pormenor e a procurar o usufruto pleno do que quer que seja sem atender aos laços do presente. Rasga, impaciente, o papel, exorbita no querer, come tudo de uma vez e, cheio do mais forte, adormece na ignorância da felicidade. Sim, o melhor é a espera e o caminho, o melhor é a luz dos teus olhos, o reflexo de céu que trazes neles, a ternura que acendes quando me olhas, o amor. Antes de me dar e de te receber, deixa que te leia, te admire, que, de leve, te ame. Olhos, boca, harmonia. Deixa que as tuas mãos façam em mim todos os pedidos, todos os passeios, todas as vontades e, depois, muito depois de chegares, acende então o meu fogo e queima-te comigo.