NUM VOO RASO, DE MARIANA...ATÉ PARIS
Hoje bem cedinho, assim que despertei, de repente eu o avistei ali, na tela dos horrores universais, numa dessas reportagens televisivas que rodam o mundo, donde vinha ele meio zonzo, algo perdido pela trilha da inocência do seu anonimato, como se estivesse embriagado de realidade.
Em ínfimas frações de segundo dialogou seu silêncio comigo quando me contou do seu sofrimento ao avistar a sua trajetória de cidadão da cidade se esvaindo obscurecida pelas corredeiras das insanidades mundanas.
Mas eu o vi com precisão de “ser preciso”...ver, porque nada se enxerga na imprecisão insensível dos olhares cegos ao tudo tão essencial.
Pelo seu infortúnio ele vinha totalmente desprovido da bandeira do seu habitat, no caso no tons “verde-amarelo-azul e branco” e também ainda não tinha seus sofridos e naturais tons de pele de ser indigente pintadas nas faces indignadas das redes sociais, então, eu prontamente nas letras, resolvi lhe pincelar suas cores mortas ao mundo, as que , apesar de tudo, teimosamente vivem viçosas em mim, as suas cores mórbidas que pedem pelo mesmo socorro que nunca chega, qual as cores dum cosmo todo doente , que tenta se recolorir de vida para não sucumbir às nossas loucuras inconcebíveis de Homens.
Ele vinha algo manco, observando perplexamente seu habitat destruído, como se procurasse algo de essência milagrosamente sobrevivente; vinha nas suas cores originais muito apagadas, aonde um heróico verde musgo desbotado ainda lhe fazia um fundo de tela existencial ao seu triste tomo principal, por ora todo pincelado de sangue cor de “terra barrenta”.
Vinha resfolegante de ar, sedento de águas limpas e faminto de compaixão.
Mas embora em movimento raso, daqueles que sempre nos expressam as últimas tentativas de resistir ao meio, ainda vinha ele do alto, em porte elegante, algo dono de si mesmo, a atônito olhar o “around de world” em busca do milagre da consciência de todos para com o todo igualmente de todos nós.
Percebi que tentou balbuciar sua linguagem que tão bem conheço, inconfundível aos que ouvem todos os sons do mundo, mas seria impossível à sonoplastia da reportagem reproduzir o timbre fraco daqueles que já tão têm voz no planeta, já que não são os protagonistas das tragédias que se vende ao mundo.
No rápido movimento do cinegrafista pude perceber que, embora as águas do que ainda chamam de “RIO DOCE” corriam nos amargos meandros dum denso lençol, lamaçal sem destino, ele tentou pescar algo em meio ao féretro surreal de peixes mortos que boiavam junto a outros corpos irreconhecíveis, todos juntos, assolados pela tragédia sofrida na sua cidade de Mariana.
Ele, cidadão da biodiversidade assassinada sem fronteiras, então continuou sua trajetória pelos ares das horas, sem necessidade de passaporte para poder voar.
Então, sem preceber que fugia de si mesmo, voou, voou, voou... quando, enfim, avistou de longe a ponta cintilante de algo que poderia ser um heliporto para pousar sua esperança e descansar seu destino.
Ele não sabia, mas já havia chegado a Paris, cidade de todas as luzes, aonde, sem entender, encontrou a torre Eiffel dramaticamente apagada e fechada para todos os turistas que fogem do seu mundo: dos mares, das terras e dos ares.
Ali não lhe haveria tempo e nem segurança sequer para um café.
Num ato de mestre, de pronto arremeteu suas asas para o céu e, num movimento uniformemente desesperado, desceu do alto da torre em lança e mergulhou no RIO SENA em velocidade assustadora.
Ele, um MARTIN PESCADOR GRANDE, de também extinta bandeira “verde- amarela”, enfim encontrara um peixinho disposto a lhe saciar a fome, embora nas sofridas cores da bandeira francesa, numa cadeia alimentar “globalizada”.
Enquanto isso, logo ali ao lado, os Homens dos “Gs” mais poderosos do mundo se reuniriam em poucas horas, todos em pompas protocolares de bom senso estereotipado, para discutirem qual a melhor estratégia de paz (ou de guerra?) para silenciarem as bombas que estilhaçam a humanidade.
FIM...
Da minha crônica e do nosso mundo.
Nota: "Merci" pela leitura e "à bientôt ´" ...num próximo capítulo do reino das "fadas" que revertem a insanidade absoluta.