O CANTO DOS PÁSSAROS E A MÃO EXAUSTA

Estamos em plena 61ª Feira do Livro de Porto Alegre, que vai até o dia 15 de novembro. Bom seria aqui estivesses, querido irmão, neste período do ano em que os jacarandás e os ipês da Praça da Alfândega estão floridos, saudando a primavera. Espera-se que a Feira venda cerca de 500 mil livros em duas semanas. Por enquanto, devido aos frios remanescentes do inverno, ainda não é muito prazeroso (segundo nosso costume: o de beber bem gelado) bebericar um bom chope, e, sim, uma (?) taça farta de vinho. Enfim, tudo ao gosto do forasteiro que se mete entre as barracas dos livreiros. Lo que me gusta es el cabernet sauvignon, diria o ego... E rir à vontade, enquanto, à hora do poente, da Ave Maria, o pipilar dos pardais em bando, anunciam o retorno aos copados verdes, num alvoroço de doer os ouvidos, preparando-se para dormir. E num remanso largo, o olho do arrebol a dourar os cabelos das árvores longilíneas ou retacas, lembram mulheres ao passeio, nas vielas das barracas livrescas, à beira dos canteiros estreitos também floridos. Em breve, como tudo no mundo, a Feira será passado. Permanecem – alegóricas – as estridências do canto dos pardais convocando o bando ao sono diário. Tal como os livros na estante, no quarto, ao alcance dos olhos, quando, cansado, porém relutante, fecho os olhos para também me despedir do cotidiano datado. Um sabiá madrugador canta ao pé da janela e o som fininho vai musicando os meus ouvidos. Parece que saíra de uma das páginas do livro que acaba de cair da mão exausta, mas embevecida de sons e tons. Aqui a natureza não é cinza. No alto, floreia o azul tropical...

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015.

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