Despedida de Casado e a Valsinha, de Chico Buarque

 

Eles viveram quase todos os trinta e dois anos de casado aos trancos e barrancos. Ele era o vilão da história. Casaram-se quando ele completara vinte e um anos de idade e ela vinte e seis. Portanto, ela era cinco anos mais velha do que ele. Como ele praticamente não tinha vivido a vida, até mesmo por seu precoce casamento, foi após esse enlace oficial que começou a vivê-la, conforme dizia. Era um adúltero confesso; vivia na noite; tinha várias namoradas e por fim uma amante, com a qual viveu por seis anos às barbas da sociedade local, sem fazer questão de esconder tal romance. Apesar, claro, de sua pobre esposa desconhecer aquela realidade.

A esposa, uma típica dona de casa preocupada com as coisas do lar e com os filhos, de nada sabia ou disfarçava não saber. Ele mentia estar trabalhando e saia pela noite a beber e a "namorar" todas, como costumam fazer os notívagos galãs. Aprontou assim com a pobre esposa, que o amava muito, pelos longos anos de casado. Dividia-se entre a casa da amante, as noitadas, o trabalho e, raramente, a família. Nesses anos ela viveu uma profunda solidão, mas nada dizia e de nada reclamava. Era comum ele chegar bêbado em casa e maltratar a esposa que o esperava, muitas vezes com uma comidinha de sua preferência. Apesar de toda essa dedicação ele não a valorizava. Os próprios vizinhos já estavam cansados de acordarem, pelas madrugadas, com gritos e impropérios do desalmado homem para com a paciente senhora.

Desse casamento tiveram três filhos, uma menina e dois garotos, os quais cresceram vendo ou sabendo das patifarias do pai. Formaram-se. Casaram-se e foram viver suas vidas longe daquilo que consideravam uma barbárie contra a mãe.

De repente e um pouco tarde, ele mudou de vida. Tornou-se um "homem de família" e passou a valorizar a esposa, que a essa altura tinha envelhecido bem mais que o normal. Em função, claro, da implacabilidade do sofrimento que aquele casamento impusera-lhe. A vida transcorreu assim por pouco tempo, porque um belo dia, ela o encarou e olhou firme em seus olhos. Incisiva disse-lhe: - "quero me separar de você!" E ele surpreso pois, nunca ela lhe havia questionado nada, e no momento em que ele voltara os olhos e à dedicação ao lar e familiares integralmente, parado de beber, coisa e tal, a mulher veio com essa proposta? Então, ainda perplexo, pois no fundo de sua "in-consciência" nunca quis separar-se. Perguntou: - "Mas, por quê?" - "Por quê?" - "Não interessa!", disse-lhe. E completou: "aliás, nem quero mais o seu sobrenome em meus documentos... É divórcio direto!" Ela estava simplesmente enfurecida. E o que ele não entendia é que já fazia mais de um ano que ele havia mudado para melhor.

Durante um tempo ainda ele tentou convencê-la a mudar de idéia mas, não obteve êxito. Ela, resoluta, permanecia sem falar-lhe e a convivência tornara-se cada vez pior. E mesmo com a insistência dele, ela jamais lhe disse algo do porquê, "naquela altura da vida", ter tomado um decisão tão radical..

Por fim o homem perdeu a esperança... Entretanto, resolveu sair "com toda a pompa", que uma "despedida de casado" exige, segundo suas palavras.

Então...

"Um dia ele chegou tão diferente.

Do seu jeito de sempre chegar.

Olhou-a de um jeito muito mais quente.

Do que sempre costumava olhar.

E não maldisse a vida tanto.

Quanto era seu jeito de sempre falar.

E nem deixou-a só num canto.

Pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar.

E então ela se fez bonita.

Como há muito tempo não queria ousar.

Com seu vestido decotado.

Cheirando a guardado de tanto esperar.

Depois os dois deram-se os braços.

Como há muito tempo não se usava dar.

E cheios de ternura e graça.

Foram para a praça e começaram a se abraçar.

E ali dançaram tanta dança.

Que a vizinhança toda despertou.

E foi tanta felicidade.

Que toda cidade se iluminou.

E foram tantos beijos loucos.

Tantos gritos roucos como não se ouvia mais.

Que o mundo compreendeu...

E o dia amanheceu...

Em paz."

Divorciaram-se. Ela voltou a ter o nome de solteira. Ele foi embora. Ela permaneceu na velha casa.


Depois de tantos anos... A serenidade voltou-lhe ao coração juntamente com a alegria de viver...

 

Finalmente, para alegria de todos, a paz voltou a reinar naquele cantinho da cidade...

 

FIM

 

NOTA DO AUTOR:  - Crônica baseada em uma história real, porém inpirada pela musíca, VALSINHA, de Chico Buarque, LINK abaixo:

VALSINHA 

(Chico Buarque)

https://www.youtube.com/watch?v=dtaXGpm_A5w

 

Luiz Carlos Gomes
Enviado por Luiz Carlos Gomes em 14/11/2015
Reeditado em 03/11/2023
Código do texto: T5448186
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