O DRAMA DE BRANDÃO
O DRAMA DE BRANDÃO
Brandão era esforçado. Inteligente, educado e prestativo. Defendia a casa e tentava não contrariar seus donos. Evitava rasgar correspondências, destruir plantas e roupas que “pulavam” do varal. Tinha prazer em atormentar leituristas dos impostos de água e energia elétrica.
Nos últimos meses Brandão estava diferente. Parecia carente. Carregava uma tristeza em seu rosto pontudo. Aqueles latidos brutos quando a campainha tocava não eram os mesmos. Um, dois, três, no máximo quatro au-au e pronto. Não tinha a intenção de amedrontar, era simplesmente para mostrar que ali ainda existia um cão. Abatido, mas um cão da raça bace. Mais nada.
Na casa de dona Tina, mãe de Frederico, Brandão sempre foi o queridinho da família. Ele superou até a chegada do Lampião, um gato holandês que no princípio, ameaçou tomar o seu posto. Mas foi só um momento de incerteza. O negócio do Lampião era outro. Só entrava em casa para comer e dormir. Gostava mesmo era de se aventurar nos telhados dos vizinhos, correndo atrás de borboletas, passarinhos, moscas e abelhas. Vivia assim.
E aquele cão preto, de pelos bem cuidados, queria espantar o tédio que o incomodava. Sua angustia começou quando Frederico ganhou aquele presente de outro mundo, com um mundo dentro.
Brandão insistia um contato com Frederico. Parecia sentir falta dos passeios e do corre-corre pelo imenso quintal da casa. Das conversas que, mesmo esdrúxulas, fazia-o sentir bem.
E ele latia. Rolava no chão, fazendo graça. Beijava os pés de seu dono e lambia sua perna. Nada. Frederico continuava indiferente. Ignorava o pobre cachorro. Não dava a mínima e permanecia fechado em seu mundo e aberto ao mundo externo. Encontrou outros amigos. Distantes, porém bem mais presentes que Brandão.
Frederico tinha necessidade daquele contato. Era o mesmo que respirar. Uma nova “lei” que parece ter chegado para ficar, comum entre os jovens de sua geração e motivo de preocupação de dona Tina, sua mãe. Ela alertou-o da carência de Brandão, que ficava horas sentado e a espera de uma oportunidade de brincar com Frederico. Dona Tina pedia, Frederico repetia que mais tarde e Brandão aguardava ansioso. Todos os dias eram assim.
Num momento de distração de Frederico, Brandão agiu rápido. Com cautela, sem raiva e desejo de vingança, seguiu seu instinto animal. Pegou o aparelho ultramoderno, porém vulnerável e sensível a dentes caninos e mastigou-o. Com vontade.
Frederico ao ver a cena desesperou-se. Soltou um grito que assustou, mas alegrou Brandão. Ele conseguiu chamar a atenção do amigo, apesar de inocentemente, mas consciente, ter destruído parte do mundo daquele jovem. Era como se Brandão fosse um gigante devastador. Em algumas mordidas, destruiu televisão, rádio, câmera, álbuns fotográficos com centenas de imagens, bibliotecas musicais, arquivos de vídeos, agenda, calculadora e um emaranhado de produtos e serviços tecnológicos. Um fenômeno! Um universo incrível que causaria espanto aos grandes físicos, matemáticos e filósofos de nossa história.
Brandão acabou com tudo. E comemorou ter conseguido despertar a atenção de Frederico, que queria matá-lo, enquanto sua mãe consolava-o. Ele xingava e Brandão sorria. Ele corria atrás, nervoso e Brandão corria, contente. Conseguiu resgatar momentos de diversão.
Frederico choramingou com dona Tina. E ela disse que nada podia fazer. E defendeu Brandão. Tinha avisado-o de sua carência. Alegou que ele estava no seu direito. Só fez aquilo para manifestar e mostrar sua ira e indignação. Queria defender sua categoria, afinal de contas, muitos deles estão perdendo o posto de melhor amigo do homem para o Whatsapp e outras redes sociais.
OBS.: Não tenho nada contra as redes sociais. São de extrema valia!