MATEANDO DE FRENTE COM MISÉRIA
Tarde nublada de outono de 1988, três assaltantes tentam roubar um banco no Centro de Porto Alegre, pelo rádio vem a informação. É uma correria só.
Pela Voluntários da Pátria corre o inspetor Meireles, agarrado no que parecia uma riot gun 12 mm, por ali, por ali - dizia ele.
Entramos num casarão antigo que servia de hotel, para encontros entre prostitutas e seus clientes, esconderijo, criatório de ratos, pulgas e percevejos e peças de aluguel, para quem precisasse ficar pelo Centro, bem de frente à praça Osvaldo Cruz, de bico com o edifício Coliseu.
Entramos correndo escada acima, só deu para ver dois deles pulando da janela para o telhado de zinco do prédio ao lado.
Faltava um, na dúvida se ele havia saltado também o melhor era vasculhar, revirar o casarão.
Alguns cômodos não tinham portas, somente uma cortina suja que corria num arame.
Com a ponta dos dedos arrancamos a cortina que servia de tudo, até de toalha. Duas 12 mm, uma puma .38 e revólveres, todos apontados para dentro do cômodo, na cama de frente para a porta sentado mateando numa cuia de no máximo 4 colheres de sopa de erva-mate estava um homem, a mulher, ladeados por 3 crianças entre seis e 12 anos. Não esboçaram nenhuma reação, nem de levantarem as mãos. Nós constrangidos explicamos que precisávamos revistar o cômodo e os adultos. Não encontramos nada, somente a miséria que eles mergulhavam. Tinham vendido a chacrinha lá para as bandas da campanha e vieram tentar a sorte na cidade grande. Ele, pelo menos um canino revestido de ouro, franzino, pele queimada, todos eles puxando para bugres. Sem muita conversa continuamos revirando o prédio.
Certamente que aquelas crianças engrossaram a periferia, periferia que faz a cidade girar.