Na varandinha do meu apartamento, começando as manhãs, às vezes observo a turma que não trabalha cedo.
 
Percebo algumas situações, no mínimo, curiosas.
Por exemplo, circulam várias pessoas com seus cãezinhos.
Algumas seguram três ou quatro cães, é difícil passearem com apenas um. Os apaixonados por cachorros não cansam de dizer que eles são os melhores amigos do homem.
Penso que essa frase, tão repetida, revela forte egoísmo.
Ninguém questionará a profunda interação entre um cão e seu dono, porém fica muito cômodo considerá-lo o melhor amigo.
Se ele só faz o que a gente quer, se costuma ir aos lugares sendo puxado por alguém, se o infeliz jamais contesta as nossas decisões, se segue sempre submetido aos nossos caprichos, destacá-lo como melhor amigo cheira hipocrisia e vaidade.
 
Da varandinha vejo boa parte dos moradores caminhando.
Muitas senhoras papeiam dando voltas em torno do condomínio.
Elas estarão dedicadas ao saudável exercício ou curtirão um excelente pretexto para tocarem as últimas fofocas?
Eu as olho superdesconfiado, elas procuram o que olhar, bem falantes, desajeitadas, suadas.
 
Uma delas espero nunca ler esse texto.
Dia e noite mergulha firme no oceano das cervejas.
Opa! De repente ela está lá, caminhando, usando uma roupa comum nas academias.
Não sei se mil caminhadas demoradas resolveriam o problema, ou seja, compensariam o vício diário.
 
A maioria das senhoras arrisco afirmar que são donas de casa.
Será que elas saem bastante cedo porque o maridão e os filhos ainda dormem? Imagino os preguiçosos esperando café, merenda, almoço e janta sentados, imóveis, obesos, deseducados.
Elas caminham ao lado dos galos cantores, porque é preciso, depois de correr, cozinhar, lavar e passar, dando moleza aos vagabundos.
Se exagero não sei, mas acredito que meu raciocínio possui lógica.
 
Saindo da descontração uma cena desperta indignação.
Sorridente e ágil um rapaz caminha segurando uma gaiola.
Rápido o pilantra retorna faceiro, simpático, respirando inocência.
O prazer desse cidadão é capturar passarinhos, impondo uma morada compulsória às avezinhas que nasceram livres.
 
As cenas citadas são importantes ou não, o leitor pode concordar, deve também contestar.
Essa última não merece debates, é lastimável demais.
 
Garantem que logo visitaremos Marte, sonham com as estrelas, querem invadir o infinito. No concomínio que eu estou ninguém pretende ir ao planeta vermelho nem alimenta realizar ousadas viagens.
Eles querem curtir seus cachorros, os escravos calados, mansos e legais exatamente porque nada podem dizer.
Também sorriem fofofando enquanto fingem que estão obedecendo à orientação médica propondo vencer o sedentarismo.
 
Daqui a pouco uma senhora estará comandando o fogão, pensando no melhor prato para os imprestáveis filhos e o insuportável marido.
Quando os outros acordarem, o sol batendo na janela dos quartos, um passarinho chorará a liberdade perdida.
 
Caramba! É muita reflexão que nasce com o dia.
Mas eu queria apenas saudar a manhã, a dádiva preciosa de Deus!

 
Tentando aproveitar a beleza da vida, noto que meus olhares, na minha modesta varandinha, atrapalham.
 
Triste inquietação!
Como conseguirei abrir a gaiola?
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 11/11/2015
Reeditado em 05/01/2017
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