Hulk, eu ti amu

Começa o dia de trabalho no centro da cidade e com ele vem a certeza de que ser invisível tem lá suas vantagens. Mesmo não sendo notados eles estavam lá o tempo todo: o carroceiro e seu cachorro. E que bonita dupla. O carroceiro me mostrava sua camiseta e dizia que a melhor banda de rock de todos os tempos foi Nirvana. Pena que morreu o cantor - lamentava. Hulk é um cachorro de olhar tranqüilo e com sua corda apodrecida em volta do pescoço repousa solene na calçada molhada. A carroça de recicláveis está paradinha esperando o momento em que ficará entupida de papelão para depois quem sabe ser reaproveitado. Nem sempre reaproveitamos tudo. Com o amor também funciona assim. Na mesma lógica do proveito. Nem sempre aproveitamos tudo.

Mas daí pequenas surpresas estão reservadas e muitas vezes esquecemos disso. Como é bonito ver o amor quando ele toma forma. Como é bonito ler o amor quando ele é declarado. Declamado. Derramado. A carroça de recicláveis naquele momento teve a serventia de uma tela em branco onde um pequeno frasco com resto de esmalte vermelho jogado ao lado do bueiro foi suficiente para pintar aquela declaração de amor.

O carroceiro resolveu lacear a corda apodrecida que envolvia o pescoço do Hulk e numa espécie de costura improvisada deu um nó cego prendendo seu corpo ao do cachorro. Pronto. Esta foi a aliança que uniu os dois amigos. A esta altura a chuva tinha molhado toda a calçada, toda a papelada e algumas pessoas. Só não molhou a declaração de amor pintada com esmalte vermelho.

Antes de partir o carroceiro resolveu ler em voz alta o resultado da pintura: Hulk eu ti amu!

Quitéria Luma
Enviado por Quitéria Luma em 11/11/2015
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