Se ela berrasse um pouco mais baixo...



        Se, a essa hora, a vizinha do andar de cima, à janela, berrasse um pouco mais baixo ao celular, o ansiolítico que tomei talvez conseguisse fazer algum efeito, e eu pudesse adentrar  o recinto sagrado do sono, quiçá de algum sonho... Assim, diante dessa voz disposta a fazer conhecer seus segredos a todo o quarteirão, não há ansiolítico que dê jeito no meu drama... esse de não conseguir escapar do meu nome e da minha história pelas ruas da pequena morte de todas as noites, a pequena morte dos bem-aventurados, esse paraíso provisório e vital chamado sono.
        Fora eu um ser corajoso... mas, miseravelmente, sou, tornei-me civilizada demais, para não dizer  covarde demais... tanto que já não sei lutar pelo que quer que seja... por mínimo que seja... Talvez covarde seja a palavra mais adequada, mesmo, para classificar esta que no momento escreve, por não ter outra escolha.  Então, continua a berrar, mulher: Eu mereço! Eu mereço!


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        É dantesco: a voz dela  acaba de se calar, não sem antes ter destruído os fiapos tênues do meu  pobre, indigente sono. "Que mal fiz eu aos deuses todos" , Deus dos aflitos?