Omissão

Omissão: tudo aquilo que deixamos de dizer, de fazer ou de escrever; o lado de dentro de uma caixa de presente ou de um saco de lixo – ou o lado escuro da lua. Aquilo que você mantém dentro de si porque tem vergonha, ou porque tem receio, ou simplesmente porque sim, porque é mais conveniente deixar que aquela parte continue invisível aos olhos do mundo – é quase um tipo de mentira perdoável.

Por exemplo, provavelmente sua namorada omite detalhes importantíssimos daquele feriado que passou em Santa Catarina antes que você adentrasse na vida dela – que não vem ao caso te contar porque não; melhor não.

Mas talvez ela aja (ou reaja) de alguma maneira esquisita quando alguém cita o nome daquele estado em que ela foi quem hoje não é contigo; talvez fique com as bochechas rosadas, troque de assunto ou sorria maliciosamente consigo – mas quem sabe se você gostaria de conhecer este lado oculto da moça que tanto ama?

Aliás, saiba que existem muitos e muitos lados; seria importante que você conheça todos e ame, assim, cada parte: o céu e o inferno que alicerça o seu lar.

Talvez isso estreite os laços. Talvez se ela perdesse a vergonha de quem foi – deveria, pois o ontem já morreu há tempos – e te confessasse timidamente como se sentiu naquelas baladas tumultuadas e vulgares; você se sentiria mais humano. Pois há coisas também que em seu corpo se recusam a serem ditas ou feitas, permanecem no profundo obscuro onde só você pode enxergar.

Assim, vocês tornam sua intimidade mais crua, mais verdadeira – pois intimidade não é saber a cor das calcinhas dela de cabeça, mas conhece-la, descobrir mais que o nome e o sobrenome, mais que os medos e receios, mais que as fantasias e sonhos, é tentar enxerga-la por inteiro e por dentro, e mesmo que o passado esteja morto, exonera-lo é importante para que possa conhecer tudo o que ainda vive – do passado sempre resta algo.

Todos omitem algo – seu professor, sua empregada, seu chefe, seu pai, seus tios- todos têm segredos, mas enfim:

Omitir talvez seja direito nosso – sendo assim, nossa escolha – acho melhor não omitir.