O QUE MUDOU EM SEIS DÉCADAS?

São Martinho, distrito de Rolândia no Paraná.

Quase findava o ano de 1954 e Dona Nica preparava-se para ser mãe pela décima vez. Era uma penca de filhos e ainda havia um rebento na fila. A tecnologia da época não permitia saber, antecipadamente, se nasceria uma menininha ou menininho.

Na pequena localidade, também não se lia ou discutia teses da ensaísta, escritora e filósofa Simone de Beauvoir. O tempo era de muito trabalho e pouco estudo. Braços e pernas, cansados da lida diária, pediam repouso no começo da noite. Portanto, o parto sempre era uma grande surpresa. Menino ou menina?

Chegaram as dores e Dona Anna, a Nica, precisou ser transportada até a cidade de Rolândia, lá havia hospital e médico, pois parteira não dava conta daquele parto. Pela estrada de chão batido, Antônio e Anna foram à procura de maiores cuidados, para o nascimento que se anunciava.

Resumindo, eis-me aqui, sessenta e um anos, após aquele 07 de novembro de 1954.

Quando eu, ainda jovem, vi meus pais com os tais 61 anos, confesso que os achei idosos e necessitados de muita atenção. Na minha concepção juvenil, eram já velhinhos. Quanto me enganei, ou melhor, quanto me enganou a ignorância da juventude. Eles eram jovens ainda e idosa era a minha mentalidade envelhecida pela pouca sabedoria. Tanto puderam eles ainda me ensinar, enquanto permaneceram do lado de cá da vida.

Curiosa, hoje fui buscar informações sobre 61 anos atrás. Vasculhei um jornal de São Paulo, Folha da Manhã, impresso na data do meu nascimento. Descobri que das duas uma, sou muito jovem ainda, ou os fatos de hoje são antigos.

Era um domingo, desembarcou no Brasil um representante político indiano, Sarvapalli Rachlikrisnal. Naquela visita, afirmou que Brasil e Índia “eram uma reserva para o futuro da humanidade e que ambos tinham identidades parecidas, pois estavam no mesmo estágio de evolução material, tinham vastas extensões territoriais”. Afirmou, também, que os dois países apresentavam grandes problemas sociais e econômicos e que precisavam trabalhar muito, corrigir “velhos modelos”, para que seus povos pudessem desfrutar de vida melhor.

Naquele dia, a manchete internacional alardeava que manifestantes em massa marchavam contra a ocupação da Áustria. Li, na mesma página, que a objetiva da ONU observava a agitação mundial.

No Brasil, acontecia o IV Centenário de São Paulo e um corpo de Ballet apresentava-se no ginásio do Pacaembu ao preço de Cr$50,00, essa era a moeda da época. Corintians (assim, sem h) e São Paulo disputariam um jogo para obtenção da taça do IV Centenário, naquele domingo, o Corinthians ganhou.

Havia um medicamento milagroso, que curava todas as dores, era o Fontol e a propaganda no jornal nada recomendava a respeito de efeitos colaterais ou outras observações. Na mesma página, publicidade de roupas da moda feminina, tailleurs em linho puro.

Na coluna de Economia e Finanças abordavam os mesmos problemas hoje abordados. Gritavam que o governo, (na época Café Filho, vice-presidente de Getúlio Vargas e que o substituiu por ocasião de seu suicídio) precisava urgentemente cortar gastos e despesas públicas. Acusavam-no de ainda não ter tomado decisões radicais e eficazes para redução anti-inflacionária.

Havia atraso na navegação fluvial, tornando o frete caríssimo e os rios estavam sob ameaças de extinção.

Pensando bem, meus pais não eram idosos, tampouco eu o sou. Antigas são as notícias de hoje, pois são frutos da mesma desonestidade política (também antiga), da incompetência administrativa e da ingenuidade do povo que continua votando em velhas raposas. A moda feminina daquela época era bonita.

De 1954 para cá, tenho certeza de que não vemos parteiras atuando com a frequência daquela época. Essa é uma grande certeza.

Ah, o que é certo mesmo, e disso não tenho menor dúvida, é que a estrada que liga São Martinho a Rolândia não é mais de chão batido, foi asfaltada. Não me furto a informar que essa estrada ia até Porecatu, onde havia uma Usina de açúcar pertencente a parentes do Governador da época. O barro dificultava o escoamento da produção...

Realmente, pouco mudou nessas seis décadas... Apenas os meus cabelos.

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 08/11/2015
Código do texto: T5442390
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