O Que Vou Ser Quando Crescer

Uma vez por ano a alegria circense invadia a pacata cidade interiorana. Era o evento mais aguardado, a única chance de assistirmos a um grande espetáculo. Debaixo da lona furada e sentados em arquibancadas que mais pareciam corda bamba, de tão instáveis, nada tirava o brilho no olhar de quem procurava beleza numa vida sufocantemente trivial. Uma semana antes, por mera coincidência, fui questionada na escola sobre o que queria ser quando crescesse, sequer titubeei:

_ Palhaça.

_ Tem certeza? Palhaço não é profissão - disse a professora.

_ E o que é, então?

_ Palhaço é artista.

_ Artista não é profissão?

_ Vejo mais como um estilo de vida. Acredito que seus pais gostariam que escolhesse um trabalho, digamos, tradicional.

_ Mas assim como os médicos, motoristas e até professores, eles não vivem disso? Não é assim que se sustentam? Levando felicidade para quem precisa?

Ela ficou em silêncio. Não sabia se concordava ou apenas não tinha uma boa resposta. Até que me disse:

_ Mas o que a faz querer tanto ser palhaça?

_ Palhaços são felizes. Estão sempre rindo e fazendo rir. Não conhecem a tristeza.

_ Você a conhece?

_ Mais do que gostaria.

Não houve mais argumentos, nem a tentativa de acabar com a ideia de seguir numa vida nômade. Talvez tivesse entendido o quanto existe de nobreza no ofício desse ser. Na noite da estreia, estava lá, esperava com ansiedade pelas trapalhadas, piadinhas inocentes, maquiagem carregada e roupas espalhafatosas. Eles não me decepcionaram, tive cólicas de tanto rir, em alguns momentos faltou-me o ar, aplaudi durante minutos.

Estava certa, queria ser palhaça e ao final show, enquanto tentava me equilibrar no pedaço fino de madeira em direção à saída, avistei os meus futuros colegas de profissão. Era fácil identificá-los em meio à multidão, ninguém mais usava macacões verdes com bolinhas vermelhas. Tinham outra postura, outra fisionomia, já não eram mais tão engraçados, foram à bilheteria, pegaram uma caixa e dirigiram-se a uma das caminhonetes, onde também moravam. Passaram-se cerca de dez minutos, a porta se abre e dela sai um homem magro, abatido, com olhar cansado e expressão triste. Senta-se num banquinho de madeira, fuma um cigarro, admira a Lua com encantamento, deixa cair uma lágrima, que é rapidamente contida pela mão esquerda. Ao atentar-me um pouco, vejo que usa os mesmos sapatos alaranjados dos que me fizeram rir há alguns instantes.

Percebo que a risada não é uma constante para os palhaços e a tristeza não é somente minha velha conhecida. Continuei querendo ser como eles, agora com mais convicção. Simular alegria era mesmo a minha especialidade.