Nós

Estive pensando sobre nós. Mais precisamente numa noite qualquer quando estava escovando os dentes e me perdi dentro de meu próprio reflexo. Algumas pessoas chamam aquilo que os faz criar de “inspiração”, confesso que já cheguei a chamá-lo assim, mas agora prefiro “meu anjo”. Naquele momento o anjo travava dentro de minha cabeça um monólogo interessante e questionável a meu ver: “E se o mundo acabasse assim: de repente?”, era a grande questão.

Se soubéssemos quando o mundo fosse acabar ficaríamos apavorados, aturdidos, porém viveríamos mesmo que por um curto (ou longo) prazo, mais intensamente, pois saberíamos que aquela seria nossa última vida. Alguns sentariam e ficariam de braços cruzados esperando o fim chegar por não ter o que fazer se tratando de algo em grande escala, algo que não pudéssemos impedir de forma alguma, muitos de nós tentariam escapar, mesmo sabendo da dura realidade. Quem sabe outros conseguissem de fato fugir sabe-se lá para onde, uns poderiam até tentar “esconder-se”, dizia.

Se o mundo acabasse sem aviso prévio, o que estaríamos fazendo? Talvez um bombeiro estivesse salvando a última pessoa, um médico consultando o último paciente, um vendedor atendendo o último cliente, um mendigo dormindo pela última vez nas ruas, um assaltante cometendo o último delito, um advogado ganhando a última causa, um fiel rezando na última missa, uma criança brincando uma última vez, um cineasta produzindo o ultimo filme, um pintor terminando a última tela, um escritor escrevendo o último capítulo, um cantor cantando a última música, um poeta no último verso, um desenhista num último traço, a última rima de um compositor, dois apaixonados trocando o último beijo, um alguém vagando ao léu, um amigo dando um último abraço, um último sorriso, uma última lágrima. Como seria o fim? Essas e outras são coisas que chamamos de inimagináveis, pois sua visão pode ser tão assustadora que não conseguimos medir em palavras ou imagens.

Perder-se-ia o conhecimento, as palavras, as artes, os filmes, as tecnologias, as histórias e as vidas. Ele dizia: “Por que insistem em serem tão egoístas, tão arrogantes, tão certos de que são grandes e poderosos? Por que há tanta maldade, ódio e guerra se são menores do que imaginam? Eu, você… ah, nós! Somos um pequeno pálido ponto azul orbitando a imensidão do universo”. Se nós simplesmente apagássemos nossa existência, os planetas continuariam a seguir suas órbitas, as galáxias continuariam em segredo, o universo não sentiria falta do planeta Terra. Muitos não conseguem se quer imaginar como seria se houvesse um fim, e se houvesse? “Puf”, como num passe de mágica sumiríamos, como se nunca tivéssemos existido. “Imagine se tudo que conhecemos deixasse de “ser” e passasse aquela questão de “não ser”. Não haveria línguas ou nações, culturas ou povos, ricos ou pobres, nada”.

O anjo continuou: “Não vivem cercados e sob dois grandes infinitos (o céu e o mar), eles tornam tudo infinito para seus singulares olhos, mas na verdade só existem dois grandes infinitos: Deus e o universo”. Quando ou se tudo se for, eles nunca irão.

“Então, porque viver com tantas limitações, tantas regras, tantos porquês se a qualquer momento “tudo” pode passar a ser “nada” para nós? Podem ser pequenos para o universo, mas tem força, força para unir e destruir, se escolherem a segunda opção podem destruir a si mesmos sem ação de outros fatores, como já fazem alguns”, gritava ele em minha mente. Realmente, às vezes não é preciso que algo maior destrua o mundo, a arrogância humana pode destruí-lo tão fácil quanto, antes disso. Estava perplexa fitando a mim mesma no espelho. Ele tinha razão, tudo o que deveríamos fazer era apenas nos unir e viver intensamente, como disse meu anjo: como se essa fosse nossa última vida.

E se isso realmente acontecer algum dia, se deitarmos em nossas camas e nunca mais acordarmos aqui, não passaremos de umas poucas sondas voyagers vagando no além do espaço até alguém achar o único fragmento do que um dia foi a Terra ou então simplesmente continuar a vagar até o infinito. Mas, enquanto é possível, só há um caminho óbvio: seguir.

“Mesmo teimando em temer o que o ser humano possa vir a se tornar se trilhar o caminho da segunda opção, nutro uma esperança boa de que podemos deixar uma marca no universo”, dialogava ele consigo sobre o futuro do mundo, sobre escolhas, sobre o fim. Eu não quis retrucar, não precisava, pois ele acabou por desvencilhar-se da ideia de que o mundo poderia acabar a qualquer momento, pode acabar sim, mas percebi que meu anjo entendeu que agarrar – se aos seus medos tira o foco do objetivo principal de toda vida que como ele mesmo disse, é viver.

Com toda certeza essa foi uma de minhas reflexões mais preciosas, minha não, nossas. Ser e sentir tudo enquanto ainda podemos sorrir, o fato é que nunca saberemos se hoje será nosso último dia antes de nos tornarmos um na eternidade do espaço. Bem, estive pensando sobre nós.

Anna Julia Dannala
Enviado por Anna Julia Dannala em 07/11/2015
Código do texto: T5441081
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