DE VOLTA PARA O PRESENTE
Depois do meu primeiro infarto, aos 46 anos, passei a dar menos importância às coisas da matéria. O passado já foi, do futuro nada se sabia e então, passei a viver o presente intensamente. Segundo meus amigos, a simplicidade sempre foi minha principal característica. De verdade sempre gostei de vestir-me com uma camiseta, calça "dins" e uma sandália franciscana. Isto quando o clima estava meio frio, porque no verão meu figurino compunha-se de bermuda, camiseta e chinelo.
Minha saúde é que não andava lá essas coisas e quando me perguntavam sobre ela, com àquelas perguntas bobinhas e obrigatórias, que vocês sabem como eram... E aí, tudo bem? Respondia sempre que: - "dentro da anormalidade estava normal".
Ocorreu que depois de um certo tempo minha saúde complicou-se bastante, e eu firme. Sem reclamar de nada. Pois, era convicto de que em nada melhoraria a reclamação e a hipocondria.
O tempo passou e sentia que a Magrela de Preto, encapuzada, espreitava-me. Para falar a verdade não aguentava mais. Estava no limite. Tanta turbulência, tanto desgoverno, tanta guerra, tanta falta de respeito de uns para com os outros, roubalheira, corrupção, que confesso ter ficado contente com a presença da Velha Nefasta com seu enorme cutelo. Ao senti-la tão próxima, falei à senhora minha esposa: - "olha, quando eu morrer, não quero frescura. Nada daquele terno e gravata curtinhos escondidos por flores perfumadas. Eu compartilhava a ideia com muitos de que as flores não deveriam apodrecer em um caixão e sim ficarem vivas para amenizar a dor daquele povo tão sofrido e roubado.
De maneira, que pedia sempre a minha esposa para quando eu, neste mundo, desse o último suspiro gostaria de ser enterrado à maneira de como sempre fui conhecido em vida e ainda em um caixão de indigente. Não para fazer gênero e sim, simplesmente, para não enterrar dinheiro, o qual certamente faria falta a eles. Pediu-me, então, para eu escrever tal solicitação para que ela não fosse criticada pelo resto dos parentes. Eu a atendi e deixei tudo formalizado, ou seja, escrito, assinado e com firma reconhecida em Cartório.
Em um futuro muito próximo das formalidades exigidas, ao cair da noite, senti uma forte dor no peito acompanhada de náuseas. Era o meu terceiro infarto que se aproximava. Porque pelo menos nisso a experiência tinha algum valor e eu o reconheci pelos sintomas dos outros dois por mim sofrido. Nada disse e fui para a cama. Adormeci. Não vi; nem senti mais nada.
"Acordei" em uma estradinha que, pela largura, era só para pedestres. Ela era tranquila mas, não vi flores e nem ouvi canto de pássaros. Estava solitário e não havia, obviamente, ninguém para pedir informações. Segui para o lado que meu nariz apontava. Fui andando até que cheguei em uma encruzilhada. Nesse momento dei-me conta de que havia passado para um outro lado, uma vez que até ali não tinha sido assaltado naquela estrada deserta, como provavelmente teria acontecido no mundo de onde supostamente eu viera. Na encruzilhada, o estreito caminho abria-se para a direita e para a esquerda formando um "t".
Apontando para a esquerda havia uma seta, onde se lia: "Inferno". Já para a direita na seta lia-se: "Céu". Hesitei um pouco e decidi ir para a esquerda pois, pensei: "já que aqui estou não custa conferir como é o Inferno. Pior que o mundo de onde venho não pode ser", concluí. Andei mais alguns quilômetros e lá estava um grande e bonito portão. Muros altos, por ambos os lados, desapareciam na imensidão. Algo interessante é que um pouco antes (do portão) camelôs disputavam espaço para vender suas mercadorias. Vendiam de tudo. Desde ventiladores, leques, lenços, meias, sapatos, gravatas, até ternos completos. Logo o primeiro (camelô) aproximou-se e tentou vender-me um chapéu. Não comprei, obviamente, mas fui logo perguntando: - "até aqui camelôs?" E, o sujeito respondeu: - "é... A coisa está preta por aqui, irmão". "Muito desemprego surgiu depois que mudou o comando do inferno", completou. - "E quando mudou?", perguntei curioso. - "Depois que o Diabo caiu do poder vencido por uma turma vermelha que apareceu por aqui", respondeu. - "Mas... Mas... Como assim? O Diabo não é o super poderoso aqui", perguntei perplexo. - "Era"... "Os caras da Estrela Vermelha chegaram, prometeram, prometeram, até que pelo 'voto' dos pobres tomaram o poder 'democraticamente'", disse nostálgico.
Fiquei encucado! - Será que estou sonhando? Pensei. E, segui o caminho em direção ao Portão.
Fui me desviando dos camelôs e quando estava próximo havia vários camelôs vendendo terno. - "Olha, freguês! Ternos baratos... Olha aqui..." Então, perdi a paciência e bradei: - "Poxa! Para que terno para entrar no Inferno? Não me encham o saco..." Adentrei ao grande portão e veio o mormaço, um calor insuportável. Pensei: - "Ainda bem que estou em trajes de verão. Terno... Putz! Cada uma..."
Comecei a andar pelo Inferno. Maior calor...E pior, gente... Muita gente...
Vi gente com fome trabalhando. Vi gente saciada sem trabalhar, viciados de todos os tipos, Cracolândia, falta d'água, batedores de carteira, roubos, assaltos, insegurança, doença, escolas em pedaços, altos impostos, et cetera.
Pensei por um momento: - "acho que estou enganado. Não morri coisa nenhuma!"
Depois de andar bastante, sob um sol escaldante, visualizei no centro do Inferno um imenso Elevado que os moradores de lá o chamam de: "Planalto Central". Antes de subir pelas encostas para conhecer o tal Planalto, os habitantes me informaram que no altiplano em questão situava-se a capital e que de lá a turma da Estrela Vermelha "desgovernava" o Inferno. Agradeci e fui subindo. No meio da grande cidade alinhavam-se várias construções que se tratava do Centro infernal do poder. Vi que maioria, naquela cidade, por todos os cantos, desfilava de terno e gravata.
Dirigi-me à primeira, grande e branca edificação com duas grandes "bacias" de cobertura. Uma com boca para baixa e outra com boca para cima. Fui entrando para conhecê-la por dentro e logo fui barrado por um segurança que me disse: - "dá o fora, aqui só se entra de terno!". Diante do tamanho do sujeito, dei meia volta e corri em busca de uma Loja a fim de comprar um (terno) mas, os preços me desencorajaram.
Nesse momento entendi porque havia tantos camelôs vendendo terno na entrada do inferno. Muito cansado e sem dinheiro para táxi, pois os motoristas de ônibus estavam em greve, como quase todas as categorias de trabalhadores, voltei a pé mesmo. Chegando ao portão de entrada os camelôs vieram ao meu encontro, sorrindo. Um deles me perguntou com sarcástico olhar: - "vai para o Céu?" - "Não enche!", respondi. - "Me vende logo um terno, porque voltarei em seguida para minha nova vida. Quanto ao Céu tenho minhas dúvidas, e daqui já tenho uma longa familiaridade que adquiri no lugar de onde venho" - "Já estou acostumado", completei.
Dei outra meia volta, desta vez em direção à familiar morada... Cansado... Lentamente... Pus-me em retorno, com o terno dobrado sobre os braços. E, finalmente cônscio de que de fato estava morto da tão igual vida anterior...
Minha saúde é que não andava lá essas coisas e quando me perguntavam sobre ela, com àquelas perguntas bobinhas e obrigatórias, que vocês sabem como eram... E aí, tudo bem? Respondia sempre que: - "dentro da anormalidade estava normal".
Ocorreu que depois de um certo tempo minha saúde complicou-se bastante, e eu firme. Sem reclamar de nada. Pois, era convicto de que em nada melhoraria a reclamação e a hipocondria.
O tempo passou e sentia que a Magrela de Preto, encapuzada, espreitava-me. Para falar a verdade não aguentava mais. Estava no limite. Tanta turbulência, tanto desgoverno, tanta guerra, tanta falta de respeito de uns para com os outros, roubalheira, corrupção, que confesso ter ficado contente com a presença da Velha Nefasta com seu enorme cutelo. Ao senti-la tão próxima, falei à senhora minha esposa: - "olha, quando eu morrer, não quero frescura. Nada daquele terno e gravata curtinhos escondidos por flores perfumadas. Eu compartilhava a ideia com muitos de que as flores não deveriam apodrecer em um caixão e sim ficarem vivas para amenizar a dor daquele povo tão sofrido e roubado.
De maneira, que pedia sempre a minha esposa para quando eu, neste mundo, desse o último suspiro gostaria de ser enterrado à maneira de como sempre fui conhecido em vida e ainda em um caixão de indigente. Não para fazer gênero e sim, simplesmente, para não enterrar dinheiro, o qual certamente faria falta a eles. Pediu-me, então, para eu escrever tal solicitação para que ela não fosse criticada pelo resto dos parentes. Eu a atendi e deixei tudo formalizado, ou seja, escrito, assinado e com firma reconhecida em Cartório.
Em um futuro muito próximo das formalidades exigidas, ao cair da noite, senti uma forte dor no peito acompanhada de náuseas. Era o meu terceiro infarto que se aproximava. Porque pelo menos nisso a experiência tinha algum valor e eu o reconheci pelos sintomas dos outros dois por mim sofrido. Nada disse e fui para a cama. Adormeci. Não vi; nem senti mais nada.
"Acordei" em uma estradinha que, pela largura, era só para pedestres. Ela era tranquila mas, não vi flores e nem ouvi canto de pássaros. Estava solitário e não havia, obviamente, ninguém para pedir informações. Segui para o lado que meu nariz apontava. Fui andando até que cheguei em uma encruzilhada. Nesse momento dei-me conta de que havia passado para um outro lado, uma vez que até ali não tinha sido assaltado naquela estrada deserta, como provavelmente teria acontecido no mundo de onde supostamente eu viera. Na encruzilhada, o estreito caminho abria-se para a direita e para a esquerda formando um "t".
Apontando para a esquerda havia uma seta, onde se lia: "Inferno". Já para a direita na seta lia-se: "Céu". Hesitei um pouco e decidi ir para a esquerda pois, pensei: "já que aqui estou não custa conferir como é o Inferno. Pior que o mundo de onde venho não pode ser", concluí. Andei mais alguns quilômetros e lá estava um grande e bonito portão. Muros altos, por ambos os lados, desapareciam na imensidão. Algo interessante é que um pouco antes (do portão) camelôs disputavam espaço para vender suas mercadorias. Vendiam de tudo. Desde ventiladores, leques, lenços, meias, sapatos, gravatas, até ternos completos. Logo o primeiro (camelô) aproximou-se e tentou vender-me um chapéu. Não comprei, obviamente, mas fui logo perguntando: - "até aqui camelôs?" E, o sujeito respondeu: - "é... A coisa está preta por aqui, irmão". "Muito desemprego surgiu depois que mudou o comando do inferno", completou. - "E quando mudou?", perguntei curioso. - "Depois que o Diabo caiu do poder vencido por uma turma vermelha que apareceu por aqui", respondeu. - "Mas... Mas... Como assim? O Diabo não é o super poderoso aqui", perguntei perplexo. - "Era"... "Os caras da Estrela Vermelha chegaram, prometeram, prometeram, até que pelo 'voto' dos pobres tomaram o poder 'democraticamente'", disse nostálgico.
Fiquei encucado! - Será que estou sonhando? Pensei. E, segui o caminho em direção ao Portão.
Fui me desviando dos camelôs e quando estava próximo havia vários camelôs vendendo terno. - "Olha, freguês! Ternos baratos... Olha aqui..." Então, perdi a paciência e bradei: - "Poxa! Para que terno para entrar no Inferno? Não me encham o saco..." Adentrei ao grande portão e veio o mormaço, um calor insuportável. Pensei: - "Ainda bem que estou em trajes de verão. Terno... Putz! Cada uma..."
Comecei a andar pelo Inferno. Maior calor...E pior, gente... Muita gente...
Vi gente com fome trabalhando. Vi gente saciada sem trabalhar, viciados de todos os tipos, Cracolândia, falta d'água, batedores de carteira, roubos, assaltos, insegurança, doença, escolas em pedaços, altos impostos, et cetera.
Pensei por um momento: - "acho que estou enganado. Não morri coisa nenhuma!"
Depois de andar bastante, sob um sol escaldante, visualizei no centro do Inferno um imenso Elevado que os moradores de lá o chamam de: "Planalto Central". Antes de subir pelas encostas para conhecer o tal Planalto, os habitantes me informaram que no altiplano em questão situava-se a capital e que de lá a turma da Estrela Vermelha "desgovernava" o Inferno. Agradeci e fui subindo. No meio da grande cidade alinhavam-se várias construções que se tratava do Centro infernal do poder. Vi que maioria, naquela cidade, por todos os cantos, desfilava de terno e gravata.
Dirigi-me à primeira, grande e branca edificação com duas grandes "bacias" de cobertura. Uma com boca para baixa e outra com boca para cima. Fui entrando para conhecê-la por dentro e logo fui barrado por um segurança que me disse: - "dá o fora, aqui só se entra de terno!". Diante do tamanho do sujeito, dei meia volta e corri em busca de uma Loja a fim de comprar um (terno) mas, os preços me desencorajaram.
Nesse momento entendi porque havia tantos camelôs vendendo terno na entrada do inferno. Muito cansado e sem dinheiro para táxi, pois os motoristas de ônibus estavam em greve, como quase todas as categorias de trabalhadores, voltei a pé mesmo. Chegando ao portão de entrada os camelôs vieram ao meu encontro, sorrindo. Um deles me perguntou com sarcástico olhar: - "vai para o Céu?" - "Não enche!", respondi. - "Me vende logo um terno, porque voltarei em seguida para minha nova vida. Quanto ao Céu tenho minhas dúvidas, e daqui já tenho uma longa familiaridade que adquiri no lugar de onde venho" - "Já estou acostumado", completei.
Dei outra meia volta, desta vez em direção à familiar morada... Cansado... Lentamente... Pus-me em retorno, com o terno dobrado sobre os braços. E, finalmente cônscio de que de fato estava morto da tão igual vida anterior...