Solidariedade
Solidariedade
Numa tarde que já ia pelo meio, desci as escadas do Terminal Rodoviário de minha cidade natal. Voltava, depois de alguns dias passados com minha família e cheios de recordações e emoções fortes, por ocasião de uma homenagem feita a meu pai, falecido há 46 anos, por ato de bravura. Vimos muitos amigos de outros tempos, conversamos muito e eu, agradecida a Deus parti muito cansada, comecei logo a fazer minhas orações do dia, cheguei a cochilar um pouco e de repente ouvi a voz do motorista avisando que tínhamos um acidente bem mais à frente e que talvez demorássemos muitas horas para retomarmos a jornada para casa. Custei a me situar, ergui a poltrona, tentei enxergar alguma coisa e quando vi que era em vão, soltei o corpo no encosto e comecei a observar a imensa fila de veículos que se estendia à frente, pelos lados e atrás de nós. Passageiros subiam e desciam dos veículos todos para ver se vislumbravam de onde estávamos, mas só viram dois helicópteros que pousavam lá longe, três carros de resgate, um bem maior, que era dos Bombeiros, carros de reportagem, ambulâncias pequenas e um carro da Polícia Rodoviária Federal. Depois de todo aquele cortejo, me dei conta de que estava com muita sede, mas tanta a ponto de não poder falar direito. Então comentei com as senhoras que estavam perto de mim sobre o meu estado, exacerbado talvez pelo meu emocional. Uma delas foi prontamente a um filtro lá no fundo do ônibus e voltou com a notícia que ele estava vazio.
Nós havíamos rodado apenas 00:45m, quando aconteceu. Passou um homem que com certeza não tinha nada para fazer e disse que era confusão para mais ou menos 08:00h. Aí entraram em cena, os celulares para avisar às famílias sobre o atraso. Como moramos aqui: Deus, eu e o meu cachorro, que “ainda” não atende telefone, eu resolvi tranqüilizar a minha família do ponto de partida para que não se assustassem se vissem alguma notícia na televisão e falei sobre a minha sede absurda e tudo mais.
Esperamos exatamente 03:00h e começamos a andar bem devagar. Ficamos sabendo que era um acidente envolvendo três carretas e que permanecia uma pessoa presa nas ferragens. Voltaram os helicópteros, os resgates, ficaram alguns e conseguiram liberar um lado da pista.
Comecei a rezar pelas pessoas atingidas e foi neste momento que se levantou uma senhora e disse: meus amigos, eu trouxe um lanche que é pequeno, mas dá para repartir; contei vinte e duas pessoas com o motorista e tenho uma garrafa de plástico que enchi com água de coco, dois sanduíches grandes, uma mexerica grande e dois queijinhos pequeninos. Eu sei que há uma senhora entre nós, que não se agüenta de sede. Um senhor disse que tinha um saco com balas, que ela contou exatamente vinte e duas. Ninguém queria aceitar, mas ela disse que então não comeria nada até resolvermos a lanchar com ela. Eu respondi que aceitaria um pouquinho da água de coco e passaria para os outros e ela ainda me fez aceitar um queijinho e uma bala. Fui passando para os outros e alguns senhores não aceitaram mesmo. Eu só sei que ela repartiu aquele lanche todo e levou a parte do motorista. Quando ela passou por mim, eu lhe perguntei o seu nome e ela disse: ah! Não...É Maria, pronto. Maria.
Eu então lhe disse: está bem “Maria”... Deus lhe pague.
Ela foi aplaudida por todos e ficou quieta no canto enquanto o ônibus se arrastava pelo enorme engarrafamento. Quando chegamos, faltando 00:10m para completar seis horas desde a hora em que parou, ela saiu e sumiu. Todos procuramos por ela e ninguém viu por onde ela foi. Eu cheguei à minha casa exausta e agradecida a Deus e depois eu me lembrei que uma de minhas irmãs me ligou e disse para tomar cuidado com assaltos e eu respondi: não tem perigo, eu não tenho jóias nem dinheiro comigo... Só o anel de Nossa Senhora...
O de “Maria”, que eu nunca tiro.
Resolvi escrever logo que me dei conta: o Terminal Rodoviário é o de Belo Horizonte, o ônibus é o de 15:00h e chegou a Barbacena às 20:50h. Obrigada, Maria!
Solidariedade
Numa tarde que já ia pelo meio, desci as escadas do Terminal Rodoviário de minha cidade natal. Voltava, depois de alguns dias passados com minha família e cheios de recordações e emoções fortes, por ocasião de uma homenagem feita a meu pai, falecido há 46 anos, por ato de bravura. Vimos muitos amigos de outros tempos, conversamos muito e eu, agradecida a Deus parti muito cansada, comecei logo a fazer minhas orações do dia, cheguei a cochilar um pouco e de repente ouvi a voz do motorista avisando que tínhamos um acidente bem mais à frente e que talvez demorássemos muitas horas para retomarmos a jornada para casa. Custei a me situar, ergui a poltrona, tentei enxergar alguma coisa e quando vi que era em vão, soltei o corpo no encosto e comecei a observar a imensa fila de veículos que se estendia à frente, pelos lados e atrás de nós. Passageiros subiam e desciam dos veículos todos para ver se vislumbravam de onde estávamos, mas só viram dois helicópteros que pousavam lá longe, três carros de resgate, um bem maior, que era dos Bombeiros, carros de reportagem, ambulâncias pequenas e um carro da Polícia Rodoviária Federal. Depois de todo aquele cortejo, me dei conta de que estava com muita sede, mas tanta a ponto de não poder falar direito. Então comentei com as senhoras que estavam perto de mim sobre o meu estado, exacerbado talvez pelo meu emocional. Uma delas foi prontamente a um filtro lá no fundo do ônibus e voltou com a notícia que ele estava vazio.
Nós havíamos rodado apenas 00:45m, quando aconteceu. Passou um homem que com certeza não tinha nada para fazer e disse que era confusão para mais ou menos 08:00h. Aí entraram em cena, os celulares para avisar às famílias sobre o atraso. Como moramos aqui: Deus, eu e o meu cachorro, que “ainda” não atende telefone, eu resolvi tranqüilizar a minha família do ponto de partida para que não se assustassem se vissem alguma notícia na televisão e falei sobre a minha sede absurda e tudo mais.
Esperamos exatamente 03:00h e começamos a andar bem devagar. Ficamos sabendo que era um acidente envolvendo três carretas e que permanecia uma pessoa presa nas ferragens. Voltaram os helicópteros, os resgates, ficaram alguns e conseguiram liberar um lado da pista.
Comecei a rezar pelas pessoas atingidas e foi neste momento que se levantou uma senhora e disse: meus amigos, eu trouxe um lanche que é pequeno, mas dá para repartir; contei vinte e duas pessoas com o motorista e tenho uma garrafa de plástico que enchi com água de coco, dois sanduíches grandes, uma mexerica grande e dois queijinhos pequeninos. Eu sei que há uma senhora entre nós, que não se agüenta de sede. Um senhor disse que tinha um saco com balas, que ela contou exatamente vinte e duas. Ninguém queria aceitar, mas ela disse que então não comeria nada até resolvermos a lanchar com ela. Eu respondi que aceitaria um pouquinho da água de coco e passaria para os outros e ela ainda me fez aceitar um queijinho e uma bala. Fui passando para os outros e alguns senhores não aceitaram mesmo. Eu só sei que ela repartiu aquele lanche todo e levou a parte do motorista. Quando ela passou por mim, eu lhe perguntei o seu nome e ela disse: ah! Não...É Maria, pronto. Maria.
Eu então lhe disse: está bem “Maria”... Deus lhe pague.
Ela foi aplaudida por todos e ficou quieta no canto enquanto o ônibus se arrastava pelo enorme engarrafamento. Quando chegamos, faltando 00:10m para completar seis horas desde a hora em que parou, ela saiu e sumiu. Todos procuramos por ela e ninguém viu por onde ela foi. Eu cheguei à minha casa exausta e agradecida a Deus e depois eu me lembrei que uma de minhas irmãs me ligou e disse para tomar cuidado com assaltos e eu respondi: não tem perigo, eu não tenho jóias nem dinheiro comigo... Só o anel de Nossa Senhora...
O de “Maria”, que eu nunca tiro.
Resolvi escrever logo que me dei conta: o Terminal Rodoviário é o de Belo Horizonte, o ônibus é o de 15:00h e chegou a Barbacena às 20:50h. Obrigada, Maria!