"Te sigo preferiendo, Platero, para todos los dias (te lo dije tanto!) a cualquier otro amigo hombre. La mujer es diferente, incomparable, ya tú lo comprendes, de eso no hay que hablar. Te prefiero como a un niño. Porque tú, como tú, un perro también, como Almirante mi caballo marismeño, me dás la compañía y no me quitas la soledad (esto que también te lo digo tanto) y al revés, me consientes la soledad y no me dejas sin compañía. A ti te lo puedo contar todo en mi entusiasmo o mi pena, Platero, y todo te parece bien. Y tú, en cambio, tan bueno como eres, nunca me interrumpes para nada, no necessitas interrumpirme, te sabes valer por ti mismo. Ni me dices tampoco que soy ridículo o egoísta, aunque lo pienses; te me callas serio o distraído.
Qué superior eres a mí y a todos, Platero! Por eso podemos ser amigos tan excelentes. A mí no me gusta tener amigos peores que yo".*

Meu pai queria ser aviador, mas precisou desistir quando meu avô faleceu. Ele era uma pessoa curiosa, estudiosa, dotado de talento artístico e inventivo. Estudou desenho e pintura no Liceu de Artes e Ofícios; estava sempre consertando, criando, inventando. Sabia estenografia, inglês, alemão, fez um curso de lapidação, tinha algum conhecimento sobre gemas, desenhava as peças para montar com as pedras que lapidava. Chegava em casa com uma máquina para fazer sorvetes, uma cafeteira que não usava coador, um abajur com peixinhos ou borboletas que ele pintava em celuloide e depois giravam quando aceso, uma engenhoca para fechar, com tampinhas de metal, as garrafas de suco de abacaxi fermentado que ele preparava em casa...
Trazia sempre assuntos novos, idéias novas; nos levava a conhecer coisas novas. Nossa vida era sempre dinâmica. Mas no geral, lembro-me dele como um homem calado, um homem que sabia apreciar o silêncio. Eu ficava horas ao lado dele, vendo o que fazia. Com ele aprendi a amar o silêncio, a estar com alguém sem necessidade de palavras, a compreender que sentimentos vão além das palavras e também a sentir-me muito bem quando estou só e em silêncio. Nossas últimas caminhadas juntos, quando voltávamos das missas nas tardes de domingo, foram em silêncio. Ele era uma pessoa meticulosa, anotava tudo a nosso respeito, com datas, às vezes até com o horário em que acontecera alguma coisa diferente.
Minha mãe havia saído para levar minha irmãzinha ao médico. Eu tinha três anos e oito meses. Uma de minhas tias, adolescente, ficou comigo. Sempre gostei muito da água. Quando preparava meu banho, mamãe colocava primeiro a água fria e eu já ia pisando, enquanto ela despejava água quente aos poucos.
Às cinco horas da tarde, com intenção de ajudar, minha tia resolveu banhar-me. Colocou a bacia no chão e colocou água. Cheguei correndo e coloquei o pé. Mas ela invertera! Despejara primeiro água fervendo! Como doeu ... Não lembro dos detalhes a seguir, apenas da pomada amarela, de meu pai todos os dias fazendo curativos, envolvendo meu pé com folhas de bananeira, quando voltava do trabalho. Parei de sentir dor. Podia contar com seus cuidados quando precisava. Fiquei um bom tempo sem andar; recuperei meu colo...

*EL MEJOR AMIGO
(En el libro "Cartas a Platero" de Paulita Brook)
Em: Platero y yo - Juan Ramón Jiménez - p.252 
Ed. Taurus - 1974