RECORDANDO MÁRIO CARDOSO
RECORDANDO MÁRIO CARDOSO
Quando um amigo "francês" me enviou de presente sua própria filmadora, deve ter imaginado que o que me movia era a normalíssima vaidade de querer mostrar o meu trabalho de compositor, acima do de "cantor", falhas e deslizes à parte. Faz muito tempo que desejava eu REGISTRAR as canções de amigos (e conhecidos) que partiram, obras esquecidas por todos, até pela esposa e filhos.
Pouco anos antes de falecer, meu amigo de dupla "sertaneja" ABIEZER SILVA já não conseguia cantar, não porque fumasse demais, mas pelo fato de que aquilo o emocionava demais. Constrangido, fui rareando minhas visitas `a casa dele, até não mais procurá-lo. Foi preciso muito tempo para eu entender que suas lágrimas eram de DECEPÇÃO, nenhum dos filhos se interessava por seu acervo de QUASE 200 MÚSICAS, as letras cuidadosamente anotadas em dez ou doze cadernos datilografados e boa parte delas GRAVADAS em várias fitas cassette, algumas comigo fazendo a segunda voz em refrões e trechos significativos. Silva partiu em dezembro de 2005 sem eu conseguir sensibilizar a Prefeitura local para criar um acervo da produção cultural de músicos, artesãos, escritores, pintores, fotógrafos, etc.
Com a maravilha em mãos desde o caricato 1º de abril deste inesquecível 2015 -- apesar dos "esforços" dos CORREIOS em fazê-la "desaparecer" -- sinto que minha missão vai muito além dos recentes músicos e artistas que contactei nesses 32 ANOS de Pará... a memória senil acaba de "desenterrar" dos recantos cinzentos do cerebelo um samba "e meio" que nem lembrava mais ter ouvido. Nesta quarta-feira que finda registro em letra de fôrma boa parte das 2 obras e, adiante, gravarei para a posteridade no YOU TUBE. Pouco me importa se alguém irá ouvi-las, me reconforta o fato de que as tirei "do limbo" onde jaziam. Tenho a impressão de que seus autores, no Céu ou onde quer que estejam, me agradecerão... era com certeza seu desejo GRAVÁ-LAS, na época em que foram criadas.
Mestre GUARÁ, na distante Paris, conseguiu 2 milagres com um só gesto: me fazer pensar em Capoeira (Grupos e mestres) cada vez que tenho em mãos a "maquininha" magnífica, ou seja, todos os dias e me permitir um derradeiro presente aos Artistas amadores e esquecidos da MPB, relegados ao milésimo plano, sem apoio, sem palco, sem chances, sem esperança de coisa alguma.
NUNCA VI MÁRIO CARDOSO em minha medíocre existência... conheci José Carlos Catapretta em 1976, quando fui recruta no Exército. Numa noite em que "tiramos serviço" como sentinelas êle me falou de seu tio sambista Mário Cardoso e cantou 2 ou 3 sambas do sujeito. Infelizmente, só guardei uma obra e breves trechos de um outro samba, que iniciava mais ou menos assim:
"Andando pelas ruas da cidade,
tentando novamente me inspirar..."
(...) "Sou o que sou,
não o que querem que eu seja,
mesmo se o povo deseja
não posso me modificar.
Vivo feliz
cantando a minha alegria,
cantando a minha agonia...
que o meu destino é CANTAR"!
(Mário Cardoso / trechos)
O soldado CATAPRETTA também cantou um outro samba de alta qualidade, que eu gostaria de ter criado. Tomei "emprestado" para meus sambas 2 ou 3 versos da canção acima, que me perdoe o sr. Mário Cardoso, se vivo fôr... lamentavelmente, jamais soube do título dessa pequena obra-prima do Samba, descrita a seguir:
I
Vou modificar a minha vida,
vou deixar a Margarida,
vou viver só para a Inês,
pois é uma preta enxerida,
bem melhor que a Margarida,
sabe até falar Inglês.
I I
Quando eu chego em casa bem cansado,
ela senta a meu lado
tentando me consolar.
Fala em meu ouvido, bem baixinho:
-- "Se o que queres é carinho,
estou aqui para te dar"!
I I I (BIS)
I love you, meu bem, I love you...
a minha preta é enxerida pra xuxu "
(autor: MÁRIO CARDOSO - RJ)
O brasileiríssimo Guaraci P. Conceição, mestre maior da ECAP - Escola de Capoeira Angola de Paris, deixou de registrar eventos e aulas de seus alunos e contramestres para que eu pudesse realizar um sonho -- quase diria, pesadelo -- que já durava QUARENTA ANOS... o de deixar para a parentela e alguns poucos amigos meu trabalho de compositor. Creio que não se arrependeu da doação... estou indo além, REALIZANDO "in memoriam" o sonho de tantos que me precederam e aos quais o Destino não deu tamanha chance. MERCI, MON AMI... do Céu essas almas todas te aplaudem, com toda certeza! SARAVÁ, meu camarada!!!
"NATO" AZEVEDO (compositor e escritor -- 4/nov. 2015)