Findos os Cadáveres, sobram os Fantasmas
Ainda me lembro da época em que os meus fantasmas, de hoje, eram tão vivos quanto a chama dessa vela que partilho com eles, e que ilumina a minha escrita de agora.
Eles quebravam pratos, secavam minhas lágrimas com a minha exaustão de chorar todos os dias. Eles consumiam uns aos outros, temendo (e sabendo sem querer), a morte; que já os tinha preparado deliciosos "pedacinhos de céu", envenenados com o fio de uma navalha, que tudo separa. Mas eu? Eu nada poderia saber. Entretanto, sonhava e afogava na expectativa desse fim.
Cada prato, de cada dia, que era atirado em nome do medo e da culpa, eram os cacos de hoje, que tentei, arduamente, transformar em ninho transparente e lúcido. Onde, no topo de qualquer coisa, a luz seria pura e divina; entraria suave por cada poro daquela estrutura-troféu. E tudo finalmente seria sincero, de ver e entender. Não haveriam medos, nem culpados.
Mas, os cacos de hoje são apenas os cacos que eu recolhia ontem com as mãos e jogava no lixo! Enquanto meus cadáveres dormiam seu sono de esperança, de viver em sonho o que nunca mais poderiam viver em vida. A suspeita da morte era a agonia de todos os dias pra eles. Pra mim, era a esperança de viver a paz.
Porém, coisa tão frágil é a paz... Que dependendo do quanto você já viveu a guerra, ela se torna só a ilusão que te faz suportar as batalhas todas. E, bem no fim, você até toma chá com os seus fantasmas, sob a mesma luz. Perdoando-os. Você já não pode mais amaldiçoa-los, e eles nunca te deixam em paz. Neles, há outros fantasmas, incessantes, arranhando-os mesmo após a morte, por dentro.