COMO SERÁ O ACORDAR NO AMANHÃ?
Nem bem passados cinqüenta anos e a cara do dia de finados tornou-se alegre, ensolarada, sem ventos, cheia de ritmos e volumes musicais. Os vidros dos carros movidos eletricamente e peliculados passaram a esconder os rostos sem a necessidade de caras murchas, mas podendo prontamente serem abaixadas para um xingamento aqui outro ali.
As programações das rádios e canais de TV seguem a normalidade e nem de perto lembram a rádio Guaíba, com a reprodução de música instrumental como se não quisesse acordar os mortos.
Pelos lados da estrada Francisca Vieira marchava uma coluna que vinha e outra que ia durante todo o dia ao cemitério de Belém Novo, eu sentado no portal da casa, cabeça baixa, arriscava algumas espiadas sem sucesso, nenhum sorriso vinha de lá.
Eu sorrateiramente do alto de meus cinco anos esgueirei-me e dediquei algumas flores do campo ao gatinho Miau que morrera nem bem fizera um ano.
Vovó sempre vestida de cores pretas e cinzas contrastando com um pouco de branco passava o dia chorosa pela lembrança do vô Pedro e este era o único finado que eu conhecera até então, mas por algumas fotos já desbotadas.