Assim ou...nem tanto 18
O Muro
Cresceu ali o muro. A princípio era só a demarcação dos domínios do Avô e mal se via de tão baixo. Depois ganhou peso de pedras, engrossou de reboco e cobriu-se de um branco baço que ganharia poeira e musgos. A humidade deu-lhe um acento marcado a manchas escuras e, nas falhas da pedra, nasceram, humildes, muitas plantas mínimas. Com os anos desinteressaram-se dele e nunca mais voltou a ser caiado depois que as terras mudaram de dono. Porções de muro ruíram, as plantinhas ganharam expressão e o conjunto, que era um marco, um limite, uma defesa, passou a referência. Para cá do muro vivia eu, para lá moravas tu e começavam todos os caminhos que levavam ao mar, à cidade, ao começo da mata. Agora era uma fronteira coberta de musgos e fetos onde as árvores do pomar apoiavam os galhos carregados de frutos. Sabê-lo de cor era importante nas divagações noturnas. Conhecer outros acidentes tais como pedras diferenciadas era importante para deixar e tomar recados de amor. Sabíamos tudo acerca delas, das possíveis posições e tínhamos um código capaz de tornar inúteis fiscalizações, impedimentos ou proibições. Ver o muro era muitas vezes suficiente para saber de ti. Quando um dia, por mero acaso, descobriram o derradeiro recado, já íamos longe, juntos. Ganhámos a estrada, apanhámos a camioneta das seis e começámos a nossa vida comum. Anos depois, quando serenados os ódios voltei sem ti, corri para o muro só para ter a certeza de que não havia recados. O papel estava lá desde as tuas últimas férias e tinha um número de telefone. Achei que o convite ainda estava válido e…liguei.