O Felicidade
               me visitou



               1. O Felicidade pousou na minha janela por volta das cinco da tarde, sem me avisar. Exato no momento em que eu me encontrava mergulhado nas minhas leituras vespertina. Seu pouso foi de uma sutileza comovente. 
               
2. Eu estava lendo um dos mais bonitos livros que adquiri nos últimos tempos. 
Maria - A biografia da mulher  que gerou o homem mais importante da história, viveu um inferno, dividiu os cristãos, conquistou meio mundo e é chamada de Mão de Deus.  

           
3. O autor é o jornalista carioca Rodrigo Alvarez, repórter da TV Globo nos Estados Unidos, no Oriente Médio e na Europa. Ele é o autor de Aparecida, a história da santa padroeira do Brasil. 
          
4. Felicidade pousou na minha janela quando eu lia o capítulo sobre a casinha onde a Virgem Maria teria passado seus últimos dias na Terra. História, aliás, não confirmada pela Igreja Católica mas aceita pelos fãs da Mãe de Jesus. 
          
5. Essa casinha, muito modesta, fica nos arredores da cidade bíblica de Éfeso. Lá estive com Ivone, minha mulher, quando do nosso passeio pela Grécia. 
          
6. Felicidade - para quem (ainda?) não leu outras crônicas que escrevi falando sobre ele -, é um bem-te-vi (sempre os bem-te-vis!) ousado que, quando menos espero, pousa na janela do meu gabinete de trabalho.
          
7. Chega de mansinho, parecendo querer me transmitir um recado; ou, de repente, com o seu canto astuto, censurar-me por algum malfeito que eu tenha praticado e por ele presenciado: "bem-te-vi!", bem-te-vi!"
          
8. O Felicidade é sempre bem-vindo, apesar de, em algumas de suas visitas - confesso e lhe peço perdão - não lhe ter dedicado a atenção que ele merece.  Ele me compreende. Tanto que volta sempre, abraçando-me com suas asinhas frágeis e irrequietas. 
          
9. Hoje ele chegou trazendo no bico um ramo seco de uma planta que não identifiquei. Pareceu-me querer lançar, numa das prateleiras de minhas estantes ornamentadas com imagens de São Francisco de Assis,  a pedra fundamental de um ninho.
          
10. Enquanto ele pulava e me olhava, confiante de que nada lhe aconteceria, fiquei bolando como agradecer-lhe  a carinhosa visita. 
          
11. Decidi, então, dedicar-lhe o poema A pombinha da mata, da nossa Cecília Meireles,
    Três meninos na mata ouviram
    uma pombinha gemer.
    "Eu acho que ela está com fome",
    disse o primeiro.
    "e não tem nada para comer."
    Três meninos na mata ouviram
     uma pombinha carpir.
    "Eu acho que ela ficou presa",
     disse o segundo,
   "e não sabe como fugir."
    Três meninos na mata ouviram
    uma pombinha gemer.
    "Eu acho que ela está com saudade",
   disse o terceiro,/ "e com certeza vai morrer."
           
12. Copiei o poema numa nesga de papel; e, discretamente, coloquei o papel com os versos ao alcance do Felicidade.  Vi quando ele pousou sobre o poema e, com muito cuidado, começou a bicá-lo. 
          Felicidade, volte sempre. Venha, e construa, aqui, na minha estante, o seu ninho. Gostaria muito de tê-lo como vizinho...

               
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Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 02/11/2015
Reeditado em 17/09/2019
Código do texto: T5435286
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