Ubi caritas?
Ontem, em minhas andanças, deparei-me com um pedinte dormindo na calçada. Tinha a pele enrugada pelo sol, a barba branca amarelecida num tom doentio e feridas abertas nos pés, como rachaduras de um machado numa árvore velha. Feridas em carne viva, visitadas por moscas insistentes. Pobre homem.
Sim, pobre homem, digo eu, porque nasceu homem e não um gatinho felpudo ou um cãozinho indefeso. Fosse assim, sua sorte teria sido melhor - seria recolhido numa toalha macia, levado a um atendimento de saúde até que as feridas tivessem sido fechadas, tomaria banho, seria tratado com dignidade. Mas não é assim. As pessoas sequer olham para ele. É apenas mais um vagabundo dormindo no meio da rua. Se está assim é porque quer. Não choca mais.
Charles Dickens, num de seus livros, fala sobre uma filantropia telescópica. Olhamos com pena para criancinhas famintas na África, ao longe, mas sequer nos preocupamos de vasculhar nossas carteiras em busca de uma moedinha para um pedinte aqui, ao alcance de nossas mãos. Nossas lentes da caridade estão numa luneta, num telescópio - não veem mais o que está próximo. Quando foi que paramos de nos compadecer? Quando foi que passamos a nos importar mais com animais do que com seres humanos? Quando foi que nossos corações endureceram? Quando parou de nos chocar?