O Homem da minha rua

O HOMEM DA MINHA RUA

Belvedere Bruno

Impressiona como, com tal aspecto desgrenhado, ele possa criar a ilusão do habitável em uma casa onde faltam os telhados.

Na realidade, o homem possui dois imóveis em escombros, residindo oficialmente em um deles, no que ainda possui telhado. Já obteve valiosas propostas por ambos, sempre repelindo-as com hostilidade. O sujeito é turrão demais.

Ele arruma a varanda, ajeita as cadeiras quebradas, mexe na areia dos vasos cujas plantas andam cada vez mais murchas. Dar comida para os gatos parece ser sua maior alegria. Vem três vezes ao dia para dar essa impressão de habitante. Aliás, costumava...

De uns tempos para cá, observei que espaçou bastante suas vindas. Para ser franca, tornei-me uma voyeur. Do nono andar onde estou instalada, tudo observo. O inusitado da cena, de certa forma, exerce sobre mim um fascínio que vem acontecendo há cinco anos, desde o tempo em que ele vivia com a mulher, que sofria de doença degenerativa e andava de cadeira de rodas. Ela já partiu desta para uma melhor e deve ter encontrado a filha, que morreu muito jovem de doença semelhante.

E ele ficou só.

Voltando ao que me ocupava, ontem o encontrei lá na esquina. Magro, sem aquela energia antiga. Fiquei a observá-lo. Ele levantou o rosto, como se me perguntasse o que eu estava olhando. Nesse momento, observei nele um catéter, que saía não sei de onde . Prossegui meu caminho pensativa.

Plena Quarta-Feira de Cinzas, hora do almoço, olho para a sua casa e me surpreendo com o movimento de pessoas estranhas. Observam os jardins, as folhas murchas, as garrafas empilhadas pelo quintal. Os gatos, num miado sem fim... Falta o personagem principal.

Teria viajado e estendido o feriado de Carnaval?