Testamento de um Idiota Contemporâneo

Pra quê ciências humanas se quem governa o mundo são as máquinas. Se elas pensam por nós, decidem por nós e do seu cálculo exato solucionam as questões éticas, sociais e morais que nos atormentam?

Somos apêndices satisfeitos das máquinas. Máquinas não estabelecem relações de poder, não manipulam, não possuem afeto, não criam nada de novo. Por que eu não desejaria ser um máquina? Pra quê ciências humanas?

Meu sonho como cidadão bem sucedido é me transformar numa máquina movida a energia dos prazeres artificiais que consumo, sem sentimento, competindo, agredindo e se alimentando cegamente de recursos naturais- para transformar a natureza num nada sem sentido e tosco em relação a tudo que em seus milhões de anos se transformou.

Sou um cidadão idiota que devotou sua vida a máquinas físicas e virtuais, querendo ser como elas para fugir da minha incompetência como ser humano. Por não saber lidar com o meu inconsciente, com minhas emoções e sentimentos, eu preferi negá-los e me espelhar nas máquinas.

Queria ser como elas, mas me tornei mais pobre que elas, por que não consegui ser plenamente nem máquina e nem ser humano. Me tornei um idiota útil e bem remunerado.

Como muitos contemporâneos, me fascinei pela ideia trágica de que se posso avaliar objetos por seu valor financeiro, também posso fazer o mesmo com pessoas. Fiz isto não por praticidade, mas pela incompetência que tive em valorizar a subjetividade e os sentimentos que as pessoas estabelecem entre si. Se era prático e objetivo isto, assim não foi a intenção mas sim a de deixar de lado esforços e reflexões que achava inúteis - afinal pra que ciências humanas?

Eu matei meus heróis para vê-los no cinema ao preço de 15 reais. Eu vendi meus valores e ideais para comprar a camisa da minha banda favorita. Andei consumindo muito lixo jogando fora todos os dias minha consciência.

Me sinto agora semelhante ao computador que vejo em minha frente, ao microondas, ao ferro de passar, pobres irmãos menos inteligentes. Minha alma era a nova música do One Direction e meu estilo descartável é inspirado no novo seriado da disney bombando na TV fechada.

Agora, contemplando o final da vida, me vi num frio arrepio o objetivo que permeou toda a minha vida se realizar. Minha humanidade será extinta finalmente e me tornarei ossos, cinzas e componentes orgânicos que alimentarão os vermes. Afinal pra que ciências humanas? Os ossos, vermes e cinzas nos respondem...

Encontrarei o fim absoluto que persegui em vida na concretude dos ossos e dos túmulos.Estarei tão vivo como um Iphone e plenamente realizado.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 27/10/2015
Código do texto: T5429192
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