Minha montanha mágica
E então ela se foi, voltou para a sua cidade, pois só estivera aqui de passagem. Era noite de domingo e ali, no aeroporto, eu me senti terrivelmente só. Porque não há solidão maior do que a do homem que vive só quando se despede da companhia que teve por todo um dia. Fosse um dia de semana, fosse de dia, quem sabe não fosse tão ruim! A noite de domingo já nos leva a refletir com melancolia sobre as nossas próprias vidas, quanto mais se não há com quem compartilhá-la! Ah, hoje estou todo exclamações, não me serve mais a frieza do ponto final!
De volta para a casa, no ônibus mais vazio da história do Distrito Federal, penso naquele dia, nas novidades que ele me trouxe, e concluo que não é bom para o homem que ele fique só. Decido mentalmente mudar de vida, se preciso ir embora, para Curitiba, para São Paulo, para Minas Gerais, onde quer que existam pessoas. Mas, ai de mim, Brasília, embora tão plana como ela é, embora tão livre de morros, Brasília é a minha montanha mágica.
Vocês sabem, aquele alemão do Thomas Mann fez um tijolaço que chamou de “A Montanha Mágica”. E nas suas quase 1000 páginas está a história do sujeito que foi visitar o primo nas mais altas regiões da Suíça, onde ele estava internado em uma clínica de recuperação para do-entes pulmonares, ou coisa que o valha. O sujeito pretendia ficar lá em cima apenas três semanas, mas descobre que também está doente e que precisa ficar lá para se curar. Dão para ele a previsão de alguns meses até receber alta, até poder voltar lá para abaixo, mas, quando passam os meses e são feitos novos exames, descobrem que ele ainda não está tão bom quanto gostaria, e que é preciso ficar ainda mais um pouco, mais alguns meses... e assim a coisa vai se repetindo, os meses se passam, viram anos, e nada do sujeito voltar lá para baixo. E o mais incrível é que, depois de certo tempo, nem ele mais quer voltar!
Também eu já tentei sair de Brasília, e houve um dia em que cheguei a fazer as malas, preparado para me atirar ao sul do país, se preciso fosse até no outro dia, e tudo dependia de uma palavra, uma simples palavra, um “sim”, uma concordância, que afinal não veio. É como se Deus, o meu médico, tivesse me dado mais algum tempo de cura por aqui, porque não estou ainda preparado para voltar aos meus. E é verdade também que eu vim para cá para me curar, pelo menos eu acho que já consegui me livrar de uma porção de molestiazinhas que nasceram no tempo em que eu não precisava me virar sozinho.
E de repente vêm acenos do mundo lá debaixo. O pior é que eu não sou tão infeliz aqui não. Tenho mesmo muita sorte, um emprego que não me consome, que me dá tempo para fazer o que eu gosto, uma quartinho pequeno para viver, um restaurante perto de casa para comer honestamente. E então eu já não sei mais o que eu quero. Quero um tempo mais frio, fazer o que gosto, e de quebra Isadora. Mas, sabe, aqui não é o meu lugar não. No livro o sujeito só sai lá de cima depois que estoura uma guerra. Estou dando muito spoiler, perdão!
Pois é isso, mais dia, menos dia, eu começo uma guerra. Nunca mais, nunca mais voltar para casa sozinho depois de deixar uma amiga no aeroporto!