MEMÓRIAS ( 8 )

Foi meu pai quem me ensinou a ler. O aprendizado começou quando eu tinha três anos e meio. Aos quatro e meio, já possuía a habilidade para a leitura. Ele não me ensinou a escrever, nem a calcular. Isso aprendi mais tarde, já na nova casa. Pelo fato de só aceitarem alunos que completassem sete anos até junho, precisei esperar até o ano seguinte, começar a primeira série com sete anos e meio. Em frente à nossa casa moravam duas senhoras italianas, duas irmãs sozinhas, solteiras, D. Lina e D. Silvina. D. Lina ensinava as crianças a ler, escrever e calcular; D. Silvina ensinava meninas maiores a fazer tricô, crochê e bordado. Elas eram cultas, exigentes e muito boas mestras. Nesse ano, de espera, frequentando as aulas, completei a alfabetização.

Quando as aulas começaram, os alunos foram agrupados de forma aleatória. Eu fui parar num galpão de madeira que ficava atrás da igrejinha do meu bairro, onde hoje existe a Igreja Matriz de São Luiz Gonzaga. O prédio da Escola era um sobrado antigo, um pouco distante da igreja. Depois de alguns dias de aula, a professora separou um grupo de alunos que já estavam mais adiantados para remanejá-los para outra série, a 1ª A que ficava lá no sobrado. Nosso uniforme era um avental branco, todo pregueado, cobrindo toda a roupa que mamãe ainda engomava. Meu cabelo ainda era trançado e amarrado co fitas brancas. A professora nos colocou em fila e saímos caminhando.

Nessa época, eu me apaixonei perdidamente por um garoto que morava na rua da igreja. Minhas amiguinhas não entendiamcomo eu podia gostar dele, porque ele era um menino feio, com um rosto muito comprido. Algumas crianças feias tornam-se adultos bonitos e algumas crianças bonitas tornam-se adultos feios ( segundo o gosto de cada um é claro!). Para mim, porém, ele era o máximo. Cada vez que passava na frente dele, perdia-me a contemplá-lo. Conforme nossa fila ia percorrendo a rua da igreja ( hoje São Luiz, naturalmente ), outras crianças começaram a nos acompanhar. E ele estava no meio! O que vinha em seguida era uma descida, um pedaço da Av. Paula Ferreira. A professora nos fezparar e esperar. As outras crianças foram descendo. Finalmente, fomos nós, eu procurando pelo meu príncipe, olhava para os lados e não para o chão, de paralelepípedos. De repente, pisei em falso, caí sobre o braço direito. Adeus paixão! Chorei, passei mal ... fui levada para o hospital Santa Catarina, na Paulista, longe, muito longe aquele dia. Precisei de anestesia, pois na fratura houvera um deslocamento. Até hoje não suporto clorofórmio, enjôo só de lembrar. Mas o acidente não me tirou a crença de que amar pode dar certo (desde que lembremos de olhar onde pisamos!).