Como seria o mundo se não houvesse espelhos?

Quando nascemos não temos ideia de como somos, e não nos importamos com isso. Nos simplesmente somos o que somos e vivemos muito bem. Aos poucos nossos pais nos colocam em frente a espelhos, no inicio não sabemos quem é aquela pessoa pequenininha na nossa frente, não sabemos quem é aquele ser tão diferente de todos que nos cercam.

À primeira vista estranhamos esse ser, mas com o passar do tempo passamos a gostar dele. Gostamos dele talvez por que ele sorri pra gente quando sorrimos para ele ou talvez do fato de simplesmente e inconscientemente gostarmos da imagem daquela pessoinha que gosta de imitar nossos movimentos.

Por volta dos 11 messes de idade já estamos engatinhando pela casa, descobrindo e explorando nosso lar, e no meio dessas aventuras achamos porta retratos e celulares, onde o rosto daquele serzinho está sempre estampado. Quando somos postos novamente na frente do espelho percebemos como ele sempre imita, agora de maneira quase irritante tudo que fazemos. E é ai que temos o que talvez seja o primeiro choque na vida de todos nós, nos damos conta que aquele ser na verdade somos nós.

A partir dai não há mais volta, passamos a viver cada vez mais acostumados a vermos nossa imagem refletida por um pedaço de vidro colado na parede. E mesmo pequenos passamos a gostar de nos olhar, se torna quase impossível passar em frente a um espelho e ficarmos impassíveis, isso se torna um habito quase que natural.

Aos poucos, na medida em que vamos crescendo, assistimos através da TV e até mesmo internet a imagem envaidecida de atrizes, atores, cantores e cantoras adultos e crianças, estes, Produzidos e maquiados de maneira a ficarem artificialmente o mais próximo possível de mini adultos. Vemos isso de maneira passiva, e então, olhamos para o nosso velho amigo, o espelho. E ai já estamos manchados pela vaidade. De agora em diante nunca mais estaremos satisfeitos com nada em nosso corpo, sempre acharemos uma gordurinha localizada que desejaríamos eliminar ou uma espinha indesejada, alguns, gostariam de ter olhos claros e cabelos lisos, de preferência loiros. Outros ficaram insatisfeitos com a cor da pele, ou desejaram recorrer a processos cirúrgicos para diminuir um “nariz de batata”.

Agora somos adolescentes, obcecados pela nossa imagem. Queremos seios e bunda grandes, queremos as maquiagens que aquela cantora faz propaganda. Passamos horas em academias para ficarmos com braços musculosos, barriga de tanquinho e pernas grossas.

E os quais não conseguirem se encaixar nesse padrão verão o outro lado do espelho. Verão o lado autoritário do pedaço de vidro, verão o que ele é capaz de fazer com os que não se enquadram em seu padrão. Ele gritará e nos xingará, irá nos humilhar, nos por abaixo de zero. E aos fracos de mente, começaram a surgir problemas como os complexos de feiura, anorexia, bulimia, dificuldade de auto aceitação e a até mesmo a depressão.

Estamos tão acostumados com esse modelo autoritário de imposição dos padrões de beleza, que o naturalizamos, o aceitamos como se fosse algo normal, algo natural. Quando verdade é isso é apenas uma imposição posta sobre o homem pelo homem, só mais umas das inúmeras formas que o ser humano tem de auto escravizar.

E se nos desnaturalizarmos toda essa ideia? Como seria o mundo sem toda essa imposição, sem toda essa chamada por alguns de “ditadura de beleza”? como seria o mundo se não houvessem espelhos?

Em primeiro lugar, pararíamos de olhar para nós mesmos e começaríamos a olhar para os outros. Nos preocuparíamos com quem tem fome, com quem não tem um teto sobre a cabeça, com os doentes. Nos preocuparíamos com as crianças sem família e com os viciados. Estaríamos preocupados com as crises politicas, com as guerras, com o terrorismo e com os direitos do homem sendo quebrados dia a pós dia. Teríamos isso e muito mais em mente, mas o espelho nos mantém alienados e nos faz pensar em “problemas mais sérios” como barriga de tanquinho, e não repetir uma roupa que foi usada mês passado.

Valorizaríamos mais as pessoas por como elas são por dentro, e não só por como eles são por fora. Daríamos mais importância aos gestos e palavras, estaríamos mais abertos ao amor e a reciprocidade já que não haveria tantos julgamentos de valor entres as pessoas.

As pessoas seriam mais felizes já que não teríamos tanto medo de nos expormos para os outros, não nos sentiríamos acuados e intimidados com medo de sermos julgados apenas pela nossa aparência.

Se não houvesse espelhos, o mundo seria mais livre.