Brava Gente
Num estado democrático existem duas classes de políticos: Os suspeitos de corrupção e os corruptos.
David Zac
Fizemos uma viagem de caminhonete pelo nordeste há alguns anos e observamos que muitos vilarejos tem o "ponto do dedão", onde a população consegue carona para outras currutelas. Aderimos ao sistema. Numa dessas paradas, pegamos um sujeito mirrado e encolhido, os braços apertados contra o peito. Rodamos com ele até a cidade vizinha onde havia também algumas pessoas à espera de transporte. Um senhor perguntou nosso destino. Como não lhe atendia, agradeceu a atenção e afastou-se do carro. Neste momento, ele reconheceu nosso passageiro anterior, sentado sobre a caçamba, e puxou assunto, perguntando-lhe para onde ia.
Ouvimos a resposta em tom de voz miúdo e calmo:
- Vou pra Odália, pra ela me levar ao posto de saúde. Cortei o dedo na moenda. - e mostrou a mão enrolada num pano todo ensanguentado.
Ao ver aquilo, me apavorei. Saí do carro, fiz o coitado descer da caminhonete e sentar-se na cabine conosco. Dei uma bronca:
- Tá doido!? O senhor sacolejando ali em cima, esvaindo-se em sangue... Imagina se o senhor desmaia e cai dali!!
Ele deu de ombros, humilde.
- Podemos levá-lo ao hospital direto. De lá, o senhor liga para Odália.
- Carece, não...
- Ela tem carro?
- “Qualo” quê! – quase um sorriso – "Pegamo" outra condução. É perto.
- Mas, o senhor está sangrando muito!
- Carece, não, seu moço. Tô bem.
Desistimos. O raciocínio era muito simples pro nosso entendimento. Deixamos o acidentado em frente à casa indicada.
Oferecemos carona até o tal posto. Recusaram. Odália ainda precisava esperar uma vizinha para cuidar das crianças.
Eles se despediram de nós profundamente agradecidos.
Seguimos pela estrada rezando que fossem logo em busca do socorro e pensando na robustez desse povo sofrido, na simplicidade de suas almas sem ambição, nessa dignidade humilde de aceitar seus destinos, recebendo como dádivas divinas as gentilezas e obséquios alheios.
Comparo com políticos em geral, e alguns em específico, que esta semana nos brindaram com um triste espetáculo sobre a miséria moral humana, negociando impunidades a céu aberto...
Inevitável perguntar:
Somos mesmo todos brasileiros!?
Texto publicado em minha coluna de hoje do jornal Alô Brasília e reeditada do texto homônimo publicado neste Recando das Letras em 13/02/2009.