Do trono ao chão

Camila faz parte de um Grupo de Apoio para pessoas que se achavam imbatíveis, dotadas de superpoderes, e que, de repente, foram derrubadas pela vida, que lhes colocou o dedo na cara e disse: “Você não é especial”.

Na infância Camila foi criada como princesa: futura rainha da beleza, do vigor, da inteligência, da riqueza, de tudo de bom. Com a proteção dos pais (que a mimavam e a submetiam a uma rigorosa rotina de cursos que, segundo eles, a preparariam para o sucesso), sua autoestima foi às alturas: aos dez anos ela acreditava que era a quinta-essência de tudo que uma criança podia querer ser na vida, e mais alguma coisa. Aos vinte, como era milionária de berço, não se preocupou com o lado profissional; concentrou-se na saúde: consultava médicos renomados no Brasil e no exterior (uma vez por mês ia aos Estados Unidos consultar-se com um especialista em genética), seguia dietas, terapias e tratamentos preventivos dos mais sofisticados e revolucionários, fazia atividade física todos os dias (com um personal trainer russo formado em Oxford); enfim, seguia um rigoroso programa de saúde que, junto com a crença já bastante arraigada em sua mente de que ela era um ser superior, acabou mexendo com a química do seu cérebro, fazendo-a acreditar que nada poderia derrubá-la, que estaria livre de todas as doenças e viveria para sempre (ela acreditava no desenvolvimento de uma tecnologia de preservação do corpo, voltada para seres especiais como ela, o que, na velhice, a impediria de morrer).

No entanto, aos 36 anos, Camila foi diagnosticada com câncer de mama (apesar de seu médico especialista em genética dos Estados Unidos ter lhe garantido que isso nunca aconteceria). Recuperada do choque, ela passou por uma cirurgia, fez quimioterapia, perdeu os cabelos, mas venceu. Só que, no ano seguinte, tornou-se diabética e hipertensa. Achou que se curaria com um tratamento revolucionário no Japão. Não se curou. Mas seu cérebro insistia: “Lute, Camila. Você consegue. Você é especial. Vai vencer”. Ela continuou lutando, mas não venceu. Entrou em depressão, sofreu muito; e aos 42 anos teve um infarto. Quase morreu. Tratou-se no melhor hospital dos Estados Unidos, mas seu coração ficou fraco, de modo que ela não pôde mais se exercitar como antes, tinha dificuldades para respirar, não podia subir escadas, correr, nem pegar peso. Ela simplesmente pirou. Passou a viver à base de antidepressivos e psicoterapia.

Dois anos depois do infarto, Camila descobriu o Grupo de Apoio. Hoje ela está bem, aceita suas fragilidades, seus limites, e ajuda outros reis e rainhas que despencaram de seus tronos a se levantarem para a vida. Empresários falidos, gerentes demitidos, atletas acidentados, vaidosos humilhados, pessoas doentes, debilitadas, mas vivas, com potencial para serem felizes, para aproveitarem bem o tempo que lhes resta na Terra, com humildade, amor e prazer.

Todo mundo vai morrer, essa é a nossa única certeza. E a morte chega rápido... para todos.

Para o cosmos infinito, o tempo entre o nascimento e a morte de qualquer pessoa (rei, rainha, bispo, valete, dama ou peão) deve durar menos que um milésimo de segundo... Dá para imaginar?

Ninguém é imbatível. Nada dura para sempre. Um dia até o sol vai se apagar. A humanidade vai se extinguir. E aí? Para que tanto orgulho, tanta vaidade? Tanto desespero...

Camila adotou a perspectiva do cosmos e hoje é outra pessoa. Não quer mais ser a menina superpoderosa. Sabe que isso não existe. O que ela quer é ser feliz, estar de bem consigo mesma, e, na sua comunidade, semear compaixão, solidariedade, humildade, buscando a união de todos pela paz, pelo amor, pela vida...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 22/10/2015
Código do texto: T5423752
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.