As vozes daqueles que não podem falar - Ato III

Ato III

“Dor, fome, sede, medo.”

Eram os únicos sentimento que eu conhecia, companheiros indesejados que sempre caminharam ao me lado desde mais tenra idade.

A dor de golpes imerecidos, dados sem causa ou propósito, apenas porque lhe apetecia. Logo eu, que sempre fui tão dedicado, realizando tudo que você me mandava fazer, sem nunca reclamar.

A fome e a sede, decorrente de horas, dias, meses e anos trabalhando ao sol forte, sem descanso, sempre indo além de meus limites porque você assim o exige.

O medo, sempre presente desde minha infância, quando me forçavas a acompanhar aos mais velhos, em meio a gritos, buzinas desenfreadas, sons estridentes que ainda ferem meus ouvidos sensíveis.

E ainda assim eu continuo, firme, mas também com delicadeza, levando em minhas costas o peso de anos de serviço, apenas esperando e rezando pelo momento em que irá me agraciar com o bem mais precioso que eu poderia querer:

Liberdade.

A liberdade de poder ir e vir quando quiser e aonde quiser, podendo parar e descansar, apenas apreciando a vista de onde minhas pernas me levassem; poder comer e beber o que quiser e a hora que quiser, até não aguentar mais.

Liberdade para ser eu mesmo. Para seguir com o legado deixado em meu sangue e em minha alma pelos meus antepassados ainda livres.

A liberdade para poder chegar, em paz, ao fim da minha vida.

Relato de um cavalo de carroça.