O que não tem remédio, remediado está (1)
A comunidade de Mãe Luiza ao longo dos anos de sua existência ficou reguardada e restrita. Isolada e ilhada no Morro de Mãe Luiza. O topo de uma ilha nômade em um mar de areias que se movimentam com os ventos e as variações das marés ao longo da costa potiguar. Formando, removendo e recriando novas ilhas, as dunas.
Com a vegetação e população rasteira enraizada, criou suas próprias raízes, e deu estabilidade ao morro, que deixou de ser nômade. Ganhou status de bairro, fixando-se entre o mar e a cidade. Entre o mutável e o imutável, entre um espaço que o homem modifica e outro que o homem tenta entender, saber utilizar, e não temer.
Comodidades e facilidades vistas lá de cima. Com 37 metros de altura são necessários uma centena e meia, de degraus para chegar a seus olhos que enxergam a mais de 40 km das praias natalenses, cobrindo parte da costa potiguar, desde 1951. E uma estrela de cinco pontas estendida na areia, e perto do mangue, na esquina da praia, junto à foz do rio Potengi lhe da proteção, bem antes de sua construção.
Mãe Luiza do topo do morro, com seu nome, e seu olhar de 360 graus, por ora deslumbrava o mar por ora deslumbrava a terra. Uma hora olha para a Zona Sul e outra hora olha para a Zona Norte, ora para a Zona Leste e ora para a Zona Oeste. Todos os pontos cardeais passam pelo olhar de Mãe Luiza, quer seja de dia, ou de noite. Com a Rosa dos Ventos a seus pés cumpre seu olhar ritmado de vigilância. Sua preocupação maior é avisar e sinalizar para quem está distante na imensidão do mar e na escuridão da noite.
Embora esteja mais preocupada em avisar quem esteja distante, esta atenta a seus filhos que estão próximos a seus pés. Esta localizada entre a ponta do Calcanhar e a ponta do Cotovelo, na região lombar de um enorme elefante. Os glúteos do paquiderme participam da flora local e da flora intestinal. Pontos de vistas geográficos e anatômicos. A fisiologia do corpo e do terreno; esotéricos, com pontos de vistas climáticos e sazonais.
Ao longo dos anos Mãe Luiza soube viver e conviver, sem urbanização e sem as facilidades da vida urbana e suas modernidades. Mas quem desce do morro não morre no asfalto. Sobreviveram com suas dificuldades criando suas próprias estratégias, facilidades para obter comodidades da vida moderna.
Antes de serem teorizados os conceitos de geração e gestão de resíduos, já implantavam a teoria dos 3Rs: reduzir, reutilizar e reciclar. E assim construíram suas residências, reunindo as pessoas, reduzindo custos, reutilizando materiais e reciclando ideias. Enquanto não tiveram água e luz, economizaram em beneficio da cidade. Economizaram gastos com saneamento e calçamento; atendimento e medicamento. E ajudaram a produzir bens.
O que Mãe Luiza avistava de longe, seus filhos podiam ver de perto. Moradores ao descer para trabalhar e se deslocar, em compras e passeios, podiam ver as melhorias e as mudanças que a cidade passava. Obsevaram mudanças ao longo dos anos, e mudanças às vésperas da Copa 2014. E lá longe onde era uma lagoa ainda nova,
formou uma duna artificial, e uma lagoa de luz. Em dias de festa canhões de luz disparam feixes coloridos para todas as direções. Mas não alcançam o oceano que chega junto de Mãe Luiza.
Mãe Luiza avistou as chegadas dos turistas antes dos canhões de luz da Lagoa Nova. Turistas que chegaram pelo mar e pelo ar. Um turista devoto de Nuestra Señora de Guadalupe, a Imperatriz da América (2000), Senhora dos Céus, deixou sua embarcação e lançou-se ao mar (jun/2014), e só Mãe Luiza pode saber onde ele se encontra.
Os pobres ao longo da história sempre ocuparam áreas desprezadas e renegadas pela colonização e pela urbanização. Ocuparam morros e depressões, mangues e alagados, encostas e dunas. Natal/RN, não fugiu a regra da urbanização, não sobrou espaço ao nível do mar. Entraram na Mata do Bode imaginando um Novo Mundo. Em busca de um lugar mais perto do céu, junto com uma parteira, Mãe Luiza. As populações que vieram do interior, como mariposas, foram atraídas pela luz do farol.
A engenharia e a tecnologia tornaram fáceis os acessos a lugares antes inatingíveis. Com dinheiro e mobilidade puderam tornar lugares inacessíveis em locais aprazíveis. Resultado: pobres com vista para o mar e em área nobre. E por estarem localizados em uma área nobre, ela passou a ser cobiçada por olhares pobres. Pobres de imaginação e pobres de inovação.
Ao longo da história as classes dominantes se apropriam de ideias das classes menos favorecidas. Enquanto o pobre joga partidas de peladas no meio das ruas com uma bola improvisada, a classe dominante desapropria espaços para modernas arenas. Futebol e carnaval deixam de ser capital cultural do povo para ser estratégia de dominação.
Uma classe dominante, sobre uma classe menos privilegiada. Aguardente e pinga ganham rótulo e embalagem diferenciada para ser cachaça de rico. Squash um jogo criado em celas de penitenciárias, ganhou uniforme alinhado e raquetes de carbono para serem usadas em quadras com ar condicionado.
A natureza é sábia, providenciou e abriu uma rua, para Mãe Luiza descer em direção ao mar. Uma rua entre dois prédios de luxo, desembocando na avenida beira mar. Um dia distante desbravadores desembarcaram na praia. E Mãe Luiza chegou com suas areias de volta as praias.
Entre Natal e Parnamirim/RN ─ 22/06/2014
Texto produzido para: O Jornal de HOJE – Natal/RN
Palavras Chaves: gestão; qualidade; conhecimento
Palabras Clave: gestión; la calidad; el conocimiento
Key Words: management; quality; knowledge