Só vai rindo

Fico pensando nas minhas fantasias que fram rasgadas quando a ficha caiu, mas não sinto nenhuma mágoa, apenas rio muito. Foi o caso do tempo em que encuquei de ser tribuno popular, mesmo consciente de que tinha a voz rouquenha (devido a uma microcirurgia na corda vocal esquerda), então comecei a participar de comícios, E no grande comício de Arraes, em 86, em Pesqueira, falei antes do mito, no filé do meeting (gostaram do termo?), também, pudera!, eu era o organizador do comício que fez a escala dos oradores. Bom, falei e depois fui conferir a minha performance com a massa. A primeira entrevistada - e unica - foi uma índia velha que estava peertinho da escada do palanque, perguntei a ella se tinha gostado do meu discurso. Ela que tava pitando um cachimbo, deu uma cuspidinha de lado e emendou de primeira muito sincera: "Oli, meu amigo, o que São Frei Damião, Migué Arraizi e o sinhô dizi a gente num entendi nadinha, maizi gosta assim mermo". Desisti da pesquisa e da carreira de tribuno popular.

Quando minha neta, hoje com 21 anos, era garotinha, tinha uns quatro anos, eu estava me empetecando para assistir no cinema da cidade uma conferência de um grande escritor, quando terminei e penteei o cabelo passando um pouco de Bilcreme (não me lembro bem do nome da brilhantina), perfguntei a ela se estava bonito. Ela cortou meu barato: "Tá não vovô, você tá é muito feio!". Não fui à conferência, fiquei amuado.

Fui excluído quando era adolescente do coral do colégio. O professor Ângelo Veloso, um sujeito muuto educado, me chamou num canto e me disse: "Vamos fazer um trato, você fica no coral, mas de boca fechada, não dá um pio, então eu coloco dez em você o ano todo, mas não cante porque você é muito desafino e prejudica o coral". Acabou minha carreira de cantor de coral.

A de poeta ja contei, cometi o danado de um poema e publicaram no jornalzinho da cidade, o padre arrasou com ele no púlpito da igreja, fui execrado e chamado de imoral. Fim do poeta.

Tentei e paticipei de concursos literários, escrevi, pasmem, três romances, só possuo o rascunho deles guardados em algumas caixas em Pesqueira, mas alguém digitou em três vias, mandei para vários concursos, não devolveram nem as cópias. Era uma vez o sonho de me tornar romancista.

No banco onde trabalhei trinta anos, só consegui chegar a chefe de seção, apenas atendendo os homens do campo, não evolui, não fiz carreira, mesmo sendo esforçado, nunca nem tentei. Certa feito um auditor, que se tornou amigo meu, me disse tomando uma cerveja: "Você nunca fará carreira no banco por uma razão muito simples: não sabe mandar". Acertou na mosca, me aposentei com o salário baixo porque não fiz carreira.

Na política, depois que deixei a carreira de tribuno popular, também abandonei o partido, é que era um dissidente nato, não aceitava o prato feito vindo da cúpula criava caso e, assim, resolvi deixar o barco, o que me fez muito bem. Graças a Deus.

Não falo da sociedade porque nem sei o que é, nunca pertenci a nenhum clube, nenhuma organização, religião, nada, acho que me autoexpulsei da sociedade.

Ontem fui fazer meu jogo da loteria, sempre sou atendido por uma mocinha meio sapeca e que convrsa demais, mas é muito franca. Ela fez os jogos, paguei, ela me deu o troco, deixei três reais com ela, e então a menina disse agradecida: "Taí, o senhor pode ser feio, meio grosso, azoado, mas tem muito bom coração". Ri muito. Só vai rindo. A verdade não dói. Assumo o que a mocinha disse. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 19/10/2015
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