"AUTOR E PERSONAGEM" Crônica de: Flávio Cavalcante

AUTOR E PERSONAGEM

Crônica de:

Flávio Cavalcante

É indescritível o prazer que nós autores temos ao desenvolver o lado psicológico de uma personagem. É um ponto crucial marcado em dissimulação no papel, mas, entranhado crucialmente na vida de muita gente.

Apesar de sermos mentirosos, temos que acreditar nas nossas mentiras para passar uma verdade para o público que pretendemos atingir. Assim é a vida de nós autores, mergulhada nessa ilha de ilusões e elucubrações diárias.

Podemos dizer que somos verdadeiros viajantes num espaço só nosso.

A mente do ser humano é de uma engenharia extraordinária e muito fora de nossa concepção carnal. Existem pessoas que vivem dissimulando sua própria vida no dia a dia e acredita na sua própria farsa sendo ele o real mergulhado num constante mundo de ilusões sem conseguir largar a pele de uma personagem de sua própria imaginação. Fato este que deveria estar mergulhado apenas na mente de autores na hora da criação de suas personagens e estórias.

Cada cabeça é um universo misterioso. O autor tem que mergulhar nesse universo para descobrir o mistério das emoções de cada personagem que ele escreve. No momento de sua criação ele não se sente igual a um Deus, ele é o próprio Deus. Além de tirar das entranhas da inspiração toda a essência para dar o sopro da vida para as suas personagens, ele vai conhecendo o desempenho da personalidade de cada um no passo a passo da sua criação.

Alguns estudiosos descrevem o autor como o centro do universo de toda uma criação. Ele é um pai preocupado e sem egoísmo que depois que conclui a sua obra doa toda a sua riqueza para serem incorporados nos palcos da vida onde ali seus personagens dão um brilho especial no corpo de atores que ofuscam intensamente e que tiram do imaginário toda a informação que o autor quis transmitir para o espectador que se delicia com as informações. O lamentável de tudo isso é que entre o autor e o personagem existe um elo que muitas vezes ficam distantes um do outro. O personagem é criação, o autor é o criador; mas, na maioria dos casos, o personagem sobressai o autor como se a sua criação quisesse tomar o seu lugar na hora de receber lauréis.

Os espectadores, leitores, vivenciam, se emocionam, participam das histórias criadas e sofrem também acompanhando a trajetória da criação do autor que muitos nem sabem o nome dele. O autor na maioria dos casos nem é citado em determinados eventos. A obra é a estrela que apaga o autor nos palcos da vida. Personagem parece concorrer com o seu criador. Quantas vezes uma obra não ajudou a alguém a se sair de algum problema e dúvida? Quantas vezes perguntamos ou se preocupamos em saber quem foi o criador daquelas entrelinhas?

O autor queima as pestanas em dar o seu melhor para levar alegria e na maioria das vezes nem é lembrado ou mencionado na hora das exposições da sua obra. Logicamente que cada regra tem a sua exceção. Há atores e produtores que fazem questão de mencionar pelo menos o nome do autor o que é a minoria o que deveria ser automática essa preocupação de divulgar a personagem e quem a escreveu; afinal sem o autor não teria a obra e sem a obra a produção não estaria recebendo as glórias em prêmio.

O mais doloroso para o autor é quando se depara com pessoas inescrupulosas que trabalham uma obra e no final se passam como os autores. Há casos de criminosos incapazes de escrever uma linha e se aproveitam das grandes obras para mostrar a um espectador o que eles não são de fato.

Eu mesmo já fui vítima disso e tive que embargar a obra e processar o malfeitor. Mas a sensação de perda fica entranhada na alma e essa é a dor de uma ferida que parece não querer cicatrizar.

AFINAL O AUTOR E A SUA PERSONAGEM É A ESSÊNCIA UM DO OUTRO.

Flávio Cavalcante