DICIONÁRIO DA INFÂNCIA
DICIONÁRIO DA INFÂNCIA
Um dicionário é feito de palavras e seus significados. Minha infância também foi feita de palavras e significados, mas significados criados por mim, que me transportavam à mundos mágicos, onde tudo era possível e o limite era minha imaginação.
Com o passar dos anos algumas dessas palavras foram caindo em desuso, outras se revestiram de seriedade e outras ganharam novas versões. Meu dicionário aumentou de tamanho, pois ganhou inúmeras palavras, todas devidamente catalogadas, com significados que não podiam ser mudados.
Hoje resolvi voltar no tempo e consultar meu dicionário da infância. Logo que o abri senti o cheiro de terra molhada de chuva que significava correr na rua, pulando as poças d’aguas, tomando banho nas biqueiras... Depois encontrei a palavra casa da avó Dora, essa palavra tinha o significado mais especial: Amor; contar estórias enquanto fazia cafuné; bolo quente; pastel; coxinha e tijolinho de leite; comida na boca feita “capitão”; fogão à lenha; panela de barro; cheiro de feijão com toicinho; café moído na hora; paçoca feita no pilão; lingüiça de porco; ir para feira comprar boneca de pano; que bom era casa da avó Dora...
Brincadeiras de rua outra palavra maravilhosa cujo significado era primos reunidos; esconde-esconde; bandeira; carimba; futebol; vôlei; pêra-uva ou maçã; bila; pedrinhas; cabra-cega; soltar pipa; estilingue ou simplesmente andar pelos matos brincando com folha de marmeleiro, como se fossem quarda-chuva...
Conversa na calçada, tinha o significado de cadeiras com avós; tios; tias e nós meninos nos banquinhos ou no “colo”, olhares atentos para o que diziam, principalmente se o assunto fosse algo do “outro mundo”.
Quintal, palavra doce como seu significado: Sirigüela; goiabeira; mangueira; àgua tirada da cacimba; galinheiro; chiqueiro de porcos; ver o tempo passar em cima das árvores, ouvindo os passarinhos.
Viajar para o sertão significava passear de jipe; banho de açude; andar de jumento; carroça; tomar leite mugido; passar nata no pão; fogueira na lua cheia; casa grande iluminada por lamparina e lampião soltando cheiro de querosene; rede armada na varanda e conversa fiada jogada fora tomando café.
Por fim, encontrei a palavra natal cujo significado era o mais mágico: Esperar Papai Noel; presente em baixo da cama; peru; rabanada; uvas; torta; bolos; família reunida; muitos sorrisos; roupa nova e Menino Jesus.
Fechei meu dicionário da infância, abri os olhos e inspirei feliz, muito feliz. Como era bom ter essas palavras guardadas em mim. Palavras que não seguem ordens ou formas gramaticais, que quebram conceitos, que mexem na minha “normalidade” e me fazem voltar a ver o mundo com os olhos de criança.
IAKISSODARA CAPIBARIBE.