'Me leve pra casa Lady Laura'
Percebi que ela estava de cara nova, porém, sua essência continuava a mesma. Assim que a avistei, numa fração de segundos, minha mente fora remetida ao passado. A mesma porta, apesar dos ajustes, descontextualizada. Pude sentir as folhas de chuchu encostando-se a minha cabeça para chegar até ela. Nossa! E o cheiro das maçãs que ela guardava. Bem como parte da minha história, que eu pudera reviver agora.
Lamentavelmente, foi preciso a ajuda da natureza para reencontrá-la. Uma grande cheia do rio Jacuí invadira nossas casas como eu nunca presenciara nos expulsando dos nossos lares. Uma calamidade chocante. Um cenário deprimente que... no entanto... me trouxera tantas lembranças boas meio à correnteza.
Mais uma vez abrigados na casa que fora da minha avó paterna e onde, felizmente, ainda reside a sua solidariedade junto aos seus descendentes.
Completamente ilhados, sem luz, sem televisão nem rádio, e, in cri vel men te, sem telefone celular. Aproximando-nos uns dos outros, se enxergando, se ouvindo. Contando causos, rezando e esperando o mau tempo passar. Trazendo à memória aquelas receitas inusitadas. O delicioso merengue na colher e tostado nas chamas da espiriteira a álcool. O ‘marshmallow’ dos anos setenta, hehehe. E a fumaça do bolo de polenta torrada coberto de açúcar e canela que invadia a casa toda. As brincadeiras antigas sendo compartilhadas por todas as idades e o riso correndo solto. E a canção mais lembrada: Lady Laura. Fora o nome dado à famosa ‘bacatela’, nosso pequeno transporte feito de madeira e de cor laranja, que nos carregava incansavelmente durante as cheias. De repente um coro tomava conta do ambiente familiar. ‘Lady Laura, me leve pra casa Lady Laura, me conte uma história Lady Laura, me faça dormir Lady Laura. Lady Laura, me leve pra casa Lady Laura, me abrace forte Lady Laura, me faça dormir Lady Laura’.
A simples comunhão, que me reportara à infância, que me levava 'de volta pra casa', sem nem mesmo sair do lugar. Sem ser necessário sequer abrir aquela porta. Sua simples imagem bastara para a emocionante viagem.
Dotty
"Tenho às vezes vontade de ser
Novamente um menino
E na hora do meu desespero
Gritar por você
Te pedir que me abrace
E me leve de volta pra casa
Que me conte uma história bonita
E me faça dormir
Só queria ouvir sua voz
Me dizendo sorrindo:
Aproveite o seu tempo
Você ainda é um menino
Apesar da distância e do tempo
Eu não posso esconder
Tudo isso eu às vezes preciso
Escutar de você
Lady Laura, me leve pra casa
Lady Laura, me conte uma história
Lady Laura, me faça dormir
Lady Laura
Lady Laura, me leve pra casa
Lady Laura, me abrace forte
Lady Laura, me faça dormir
Lady Laura
Quantas vezes me sinto perdido
No meio da noite
Com problemas e angústias
Que só gente grande é que tem
Me afagando os cabelos
Você certamente diria:
Amanhã de manhã
Você vai se sair muito bem
Quando eu era criança
Podia chorar nos seus braços
E ouvir tanta coisa bonita
Na minha aflição
Nos momentos alegres
Sentado ao seu lado sorria
E nas horas difíceis podia
Apertar sua mão
Lady Laura, me leve pra casa
Lady Laura, me conte uma história
Lady Laura, me faça dormir
Lady Laura
Lady Laura, me leve pra casa
Lady Laura, me abrace forte
Lady Laura, me faça dormir
Lady Laura"
Roberto Carlos