O Mentiroso

Sou um mentiroso convicto. Odeio a verdade. Nela não existe nenhuma fato ou acontecimento que pode ser alterado. Na verdade tudo é simples e direto, não há chance para dramatizações ou encenações mesquinhas. Já a mentira é uma ilusão, uma criação lúdica e ilusória que criamos para enganar ou ludibriar outrem. E com ela posso trabalhar toda a minha canalhice e a displicência. A verdade não destrói casamentos nem relacionamentos, mantém-os unidos pelos laços da sinceridade e isso me entendia. Mas a mentira é uma arma infalível, cria desconfiança, causa desconforto e faz com que as pessoas valorizem mais suas relações. Desde pequeno tive essa ligeira tendência a mentir, mentia descaradamente para meus pais, rejeitava o processo comum de ser íntegro e incorruptível. Preferia ser admirado pelas traquinagens, pelas histórias absurdas que eu contava. E isso me causava muitos problemas, especialmente na adolescência quando as mentiras se tornavam cada vez mais comuns e já faziam parte do meu cotidiano.

Já na minha fase adulta as coisas se tornaram piores ou quem sabe até melhores pois minhas trapaças e enganações a cada dia que se passavam se tornavam elaboradas e intricadas. Nem meu chefe, um intelectual e velhaco soubera discernir aquilo que era verídico ou onírico. Frequentemente nesta época eu bebia e custava a acordar disposto no dia seguinte, e para evitar descontos ou indevidas advertências no emprego, sempre me dispunha a criar lorotas cabeludas para meu chefe.E ele convenientemente acreditava em tudo. Foi durante essas minhas noitadas de orgias e embriaguez que conheci minha atual mulher. Foi a primeira vez que me apaixonei (mentira). Ela era linda e jovem com uma decência e honestidade de dar inveja a Nelson Rodrigues. Mas para encurtar a história, após uns doze meses de namoro nos casamos e fomos morar juntos.

Naquele tempo eu tinha várias amantes e todas elas acreditavam (pasmem) que eu era um poço de virtudes e um homem de qualidades indeléveis. Pobres coitadas! Mal sabiam que sempre fui um galanteador e mulherengo inveterado. Mentia para todos em cada minuto a todo instante, dizia as mais infames mentiras fintando-as nos olhos sem desviar meu pernicioso olhar. E isto fazia-o contra qualquer um,mesmo confrontado com a verdade e obrigado a dizer que tudo era uma farsa, e até hoje nego a veracidade dos fatos até o fim.Minha última infâmia foi dizer a minha querida esposa no leito de morte que ela iria curar-se de um câncer terminal. Arrependo-me? Jamais!Talvez a verdade teria matado-a. A esperança é o conforto para viver...E hoje sentando em minha cadeira de rodas, no auge de meus oitenta anos, com meu corpo e músculos debilitados pela idade avançada posso admitir com a mais franca sinceridade (pela primeira vez na vida), que tudo que obtive e desfrutei nesta minha jornada foi uma mentira. Não consegui viver a minha vida como desejei viver (não senti as emoções que poderia sentir), vivi pela vida dos outros, fui espectador do espetáculo da minha vida (ou melhor dizendo; vivi uma existência que não era minha). E posso com a mais profunda e singela veracidade admitir que sou uma: MENTIRA!

opoetakurita
Enviado por opoetakurita em 17/10/2015
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