Diário de Sonhos - #101: Fora dos Trilhos, Fora de Si
Sonhei que estava num trem do metrô saindo de Itaquera (linha vermelha leste-oeste) até o Jabaquara (linha azul norte-sul). Pra isso na metade do caminho deveríamos passar por uma zona chamada enlace, que faz a transferência do trem de uma linha pra outra. Mas ao nos aproximarmos do enlace notei que os trilhos estavam inacabados e isso com certeza ia dar merda. Avisei ao operador de trem, mas não saíam sons da minha boca. Não deu outra. O trem descarrilou e tombou com várias pessoas dentro. Corri pelos carros ajudando quem estava machucado e prestando primeiros socorros. Consegui reunir todos do lado de fora. Como eu também sou funcionário do metrô eu tinha um transceptor e descobri que conseguia me comunicar só através dele. Iniciei a comunicação com o centro de controle (CCO):
- 119 ao CCO
- CCO, 119, QAP
- CCO, 119 impossível prosseguir viagem
- 119 qual o motivo?
- Zona de enlace não tem trilhos. O trem descarrilou
Silêncio por um tempo.
- CCO ao 119, QAP?
- 119 em QAP CCO
- 119 estamos enviando técnicos da manutenção pra solucionar o problema. Fique em QRX, QSL?
- QSL, ficar em QRX, técnicos a caminho
QRX é o código pra aguardar. Técnicos aparecem e começam a limpar a área e nivelar o solo para a construção de mais trilhos. Eu ajudo. O grande problema é uma parede de tijolos bloqueando o caminho. Eles dizem que vão marretar rapidinho e logo poderemos seguir viagem.
Agora estou dentro do trem de novo. Um trem novinho enviado justamente para aquela situação. Tenho a honra de abrir as portas do trem. As pessoas entram correndo, se empurrando e debatendo pra conseguir um lugar sentado (certas coisas não mudam nem na terra dos sonhos...). Peço desculpas a todos pela demora e informo que eles serão os primeiros a viajar naquele trem e naquele novo acesso com trilhos recém colocados. CCO informa através do transceptor para prosseguirmos viagem. Vai tudo bem, todo mundo contente. Fazemos uma curva e depois outra até que finalmente chegamos na parede de tijolos. Meu coração dispara. A parede continua no mesmo lugar. À esquerda construíram uma sala de supervisão (SSO), à direita colocaram anúncios da Coca-Cola. Mas no exato ponto onde os trilhos estão, a parede de tijolos ainda existe. Tudo o que os técnicos fizeram foi um pequeno buraco em baixo pra escorrer água pra rua. Grito pra parar o trem. Entro num estado de revolta e frenesi. Corro até a mesa do supervisor e pego uma enorme marreta. Vou quebrar a parede eu mesmo. Mas a marreta é extremamente pesada e só consigo arrastá-la. Ao chegar na parede preciso fazer um enorme esforço pra erguer a marreta e quando consigo acertar a parede não acontece nada. A essa altura o supervisor aparece com um reforço de 4 seguranças. Mas eles não são seguranças. Nem o supervisor é supervisor. A estação já não é mais estação. Estou num hospital. O supervisor é um psiquiatra e o seguranças enfermeiros. Estou com um martelo na mão quebrando a parede. O médico diz pra mim parar. Eu tento dizer que ali havia um trem, uma parede de tijolos mas só consigo fazer sons guturais com a boca. O psiquiatra me mostra uma escaleta (uma espécie de pequeno piano tocado através do sopro, tem um som parecido com a gaita). Ele disse que se eu continuasse ia tirar cinco notas. Travo. Adoro aquela escaleta. Adoro todas as notas dela. Mas decido que meu objetivo é mais importante. O médico tira as cinco notas e eu sinto como se tivesse levado um choque no corpo. Ele diz que vai tirar mais cinco. Ignoro. Outro choque. Os enfermeiros tentam me conter mas eu luto. Ele tira mais cinco notas, e o choque é ainda pior. Estou no chão de joelhos, respirando com dificuldade e com dor. Restam apenas cinco teclas na escaleta. Eu choro muito. Levanto, pego o martelo e dou um último golpe na parede. Acordo.
Dezesseis de outubro de dois mil e quinze.